AtivismoNewsletter

Na quinta edição da newsletter da Oficina Global o debate sobre cinema e ativismo nas independências africanas é o fio condutor dos diversos conteúdos que trazemos. O editorial escrito por Jessica Falconi, investigadora no CEsA/CSG/ISEG, Universidade de Lisboa, discute o papel do cinema que continua central na luta pela descolonização cultural. Temos ainda uma entrevista com Camilo de Sousa, fotojornalista, cineasta, produtor de cinema e antigo combatente da luta de libertação nacional moçambicana, e várias dicas de conteúdos interessantes. 

Subscreve para receber as próximas edições. 

*|MC:SUBJECT|*

Newsletter nº 5, Jezembro 2023

Cinema e Ativismo nas Independências Africanas

Nas décadas de 60 e 70, os movimentos de libertação das colónias portuguesas em África viram no cinema um meio fundamental de difusão dos ideais revolucionários. No decorrer das lutas de Libertação Nacional, militantes e cineastas estrangeiros – jugoslavos, italianos, franceses, americanos – filmaram a realidade nas bases da guerrilha e nas “zonas libertadas” em Angola, Moçambique e na Guiné-Bissau, para conquistar apoio e solidariedade internacionais aos movimentos de libertação.

CSA Images (iSctock)

Com a proclamação das independências, o cinema contribuiu para consolidar um sentimento de unidade nacional e divulgar o projeto de construção socialista de sociedades culturalmente muito diversas. Serviu também a causa da solidariedade com as lutas dos países da região que ainda viviam sob o jugo do Apartheid. Com uma forte política cultural estatal, de criação de infra-estruturas de produção cinematográfica nacional e de investimento na formação de quadros nesta área, o cinema afirmou-se como um veículo incontornável do processo de descolonização.

O boicote internacional às políticas socialistas, as carências estruturais, a guerra de destabilização, a guerra civil e as mudanças consequentes levaram ao fim de políticas nacionais específicas para o desenvolvimento do cinema, o que alterou radicalmente a dinâmica desta prática artística nos países africanos de língua oficial portuguesa. Surgiu o cinema independente que, apesar das dificuldades e da dependência de apoios externos, muitas vezes ligados aos circuitos da cooperação para o desenvolvimento, continuou ainda assim voltado para a realidade social, cultural e política destes países.

O Ciclo “Cinema e Descolonização: Moçambique em foco”, coordenado por mim e com a curadoria dos cineastas moçambicanos Isabel Noronha e Camilo de Sousa, tem sido uma iniciativa de caráter experimental, ao juntar académicos, criadores e público numa discussão aberta, inclusiva e informal sobre temáticas relacionadas com a descolonização. Selecionamos todos os filmes e as pessoas convidadas no intuito de focar temas, momentos e experiências pessoais que se cruzaram com a História, envolvendo o público nesta partilha.


As primeiras sessões centraram-se no despertar do movimento de libertação, com a projeção de “O Vento Sopra do Norte” de José Cardoso e no dia a dia da luta, com “O Tempo dos Leopardos”, de Zdravko Velimirovič. Seguiram-se filmes sobre a guerra civil moçambicana, a questão de género e a viragem neoliberal da década de 2000.


Os documentários “Ngwenya o Crocodilo”, de Isabel Noronha, e “Sonhámos um país”, de Camilo de Sousa e Isabel Noronha, demostram que a descolonização cultural, política e mental é um processo ainda em curso, para o qual o cinema e as outras artes continuam a contribuir.


Convidamos todas e todos a participar na última sessão de 2023, em Julho. Passaremos os filmes de Lara Sousa, que nos levarão para os novos caminhos do cinema moçambicano contemporâneo e novas visões sobre o processo de descolonização em África.

Jessica Falconi,

CEsA/CSG/ISEG, Universidade de Lisboa

Próximos eventos

International Development Summer Course

EADI CEsA Lisbon Conference 2023

Duas perguntas a…

…Camilo de Sousa

Em que medida o cinema foi e continua a ser uma forma de ativismo em Moçambique?


Em Moçambique, o cinema foi utilizado de várias maneiras. O poder colonial nunca permitiu que os moçambicanos conhecessem o próprio país, numa lógica de dividir para reinar, por isso, a seguir à independência, era necessário explicar e mostrar o que era Moçambique. Não havia televisão, por isso o cinema cumpriu o grande papel de difundir a mensagem da independência e da unidade nacional. Mostrou que era possível juntar as diferentes nações que existiam em Moçambique numa única nação.


Mais tarde, voltámos a utilizar o cinema para denunciar a corrupção, a guerra e os outros males que afetavam o país. Hoje continuamos a fazer filmes para denunciar o sistema de corrupção desenvolvido pelo Estado e a nova situação de guerra no Norte do país. Em cada etapa do nosso caminho o cinema tem evoluído para novas formas de luta e de ativismo, e acho que os jovens cineastas moçambicanos estão muito envolvidos nesta luta.

O ciclo “Cinema e Descolonização” tem funcionado como um cineclube. O que acha do cineclube como forma de ativismo?


Em Moçambique o cineclube foi importantíssimo. Havia um cineclube em Lourenço Marques e outro na Beira, que era de grande ativismo político. Eu frequentava o cineclube todos os sábados. Foi aí que a minha paixão pelo cinema também nasceu. Víamos todos os filmes proibidos pela censura portuguesa, principalmente filmes dos países do Leste.


Hoje, acho que o cineclube “Cinema e Descolonização” ultrapassou o âmbito daquilo que nos havíamos proposto. Em todas as projeções surgiram leituras novas de cada um dos filmes. Por exemplo, ao rever “O Tempo dos Leopardos”, eu e o Luís Carlos Patraquim, que trabalhámos no filme, descobrimos que, na altura em que o filme foi feito (1985), o nosso país sabia que caminhos tomar e quais eram os perigos. Como foi possível perdermo-nos no caminho? Ainda hoje aquele filme é válido para quem quiser olhar para Moçambique.


É preciso que as pessoas compreendam os processos de cada um de nós – os de Portugal e os das ex-colónias. Vi pessoas que antes eram contra as independências dos nossos países e hoje estão connosco nos debates, com uma perspetiva diferente. Já só isso demonstra a importância desta iniciativa.

Camilo de Sousa é fotojornalista, cineasta, produtor de cinema e antigo combatente da luta de libertação nacional moçambicana.

Ver a programação completa

Em Destaque no Blogue

Ativismo e Mudança Social

Esta série de artigos produzida pelos alunos do Mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional do ISEG, no âmbito da disciplina “Social Activism and Global Change”, lecionada pelas investigadoras da Oficina Global Ana Luísa Silva e Susana Réfega, fala sobre ativismo e mudança, a partir de reflexões sobre os processos de desenvolvimento e mobilização da sociedade civil, bem como dos seus diferentes modelos de atuação, para imaginar novas visões de futuro e os caminhos possíveis para a construção de um mundo mais justo e sustentável.


O dia 12 de outubro de 1972 – Américo Azevedo


O Fórum Social Mundial – Diogo Bugarim


O movimento Extinction Rebellion – Mila Dezan


A Clean Clothes Campaign – Amelie Fehm


Hansel Obando Collage/ Virtual Gallery for Shifting Power/ CC BY-NC-SA 4.0

Dicas da Oficina

Documentários | Histórias e lutas

Em linha com o tema desta edição, para quem gosta de documentários, há sugestões disponíveis online. Angola. Nos Trilhos da Independência (2015) é o primeiro documentário sobre a luta de libertação nacional produzido em Angola pela Fundação Tchiweka de Documentação e reúne depoimentos de angolanos. São Tomé e Príncipe. Retalhos de uma história (2015), desvenda, através de relatos, as divergências entre os protagonistas do processo político que conduziu à independência de São Tomé e Príncipe. Cabralista (2011), um documentário sobre as ideias do ativista e revolucionário Amílcar Cabral dividido em três partes – passado, presente e futuro – apresenta uma visão única sobre a África de ontem e hoje.


Dicas da Jessica Falconi

Eventos | 50 Anos do 25 de Abril

Em comemoração aos 50 anos do 25 de Abril estão a decorrer diversos eventos para celebrar a liberdade e a democracia. Tendo como ponto de partida a memória, as iniciativas propõem olhar para a história da resistência e da Revolução, passando pelos movimentos sociais e políticos, pela luta anticolonial e descolonização. A agenda com as diversas iniciativas, que compreendem conversas, exposições, espetáculos, workshops entre outros eventos, está no site da Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril.


Dica da Renata Assis

Exposição | Revoluções – Guiné-Bissau, Angola e Portugal (1969-1974)

Até 30 de setembro é possível visitar a exposição do fotojornalista italiano Uliano Lucas, no Museu do Aljube. A exposição está dividida em três partes que reúnem fotos das “zonas libertadas” da Guiné-Bissau em 1969, imagens da vida quotidiana dos guerrilheiros e das guerrilheiras do MPLA, em Angola em 1972 e retratos de aspetos da vida quotidiana em Portugal nos últimos anos da ditadura e a festa da Revolução de 1974. Mais informações sobre a exposição aqui.


Dica da Ana Luísa Silva

Livros|Olhares e vivências (de adolescentes) no período das independências

As independências africanas cruzaram e marcaram de forma determinante e indelével a vida de muitas pessoas. Este período histórico tumultuoso, revestido de esperança e incertezas, foi também experienciado de forma particular por aqueles que já se encontravam, dada a sua idade, num período naturalmente tumultuoso e de transição. Dois romances retratam essa experiência singular a partir da vivência de dois adolescentes filhos de colonos. “O Caderno de Memórias Coloniais” de Isabela Figueiredo parte do olhar de uma rapariga em Lourenço Marques/Maputo; já “O Retorno” de Dulce Maria Cardoso coloca-nos na pele de um rapaz com quinze anos que chega a Lisboa em 1975 vindo da Luanda.


Dicas da Susana Réfega

Segue-nos para te manteres informada(o)

Compartilha com outros interessados!


Reencaminharam-te esta newsletter e queres subscrever para receber as próximas edições? Clica aqui.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados *

Enviar