AtivismoTransformação

Créditos da imagem: Aleksandr Zykov via Flickr.


Este artigo faz parte de uma série de textos escritos para a disciplina “Social Activism and Global Change” do Mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional do ISEG. Com a proposta de refletir sobre o desenvolvimento e mobilização da sociedade civil, os textos debatem sobre ativismo e os diferentes modelos de atuação da sociedade civil considerando as dinâmicas de poder relacionadas às mudanças propostas bem como o contexto e momentos-chave que possibilitam a mudança. 


Neste texto trago algumas reflexões sobre o Extinction Rebellion. Criado em 2018, esse “movimento global […] usa a desobediência civil não-violenta para tentar deter a extinção em massa e minimizar o risco de colapso social”. Com mais de 1185 grupos operando em 86 países de forma autônoma e descentralizada, conectados por princípios comuns e pela replicação de modelos de atuação, o movimento visa promover o senso de urgência sobre a crise ecológica global e pressionar governos para que tomem medidas drásticas e imediatas que minimizem os impactos das alterações climáticas. Como caso emblemático, em 2019 o grupo foi capaz de gerar pressão suficiente para avançar com uma agenda que ativistas ambientais tradicionais passaram décadas tentando: após duas semanas de intensa mobilização, o parlamento do Reino Unido declarou emergência climática e se comprometeu a ter zero emissões de dióxido de carbono (CO2) até 2050. Entretanto, apesar de terem seus esforços reconhecidos, ainda é difícil mensurar quais são os reais impactos dessa iniciativa.  


Dois pontos me chamam a atenção ao estudar a atuação do grupo: (a) o fato de sua estrutura descentralizada ter possibilitado o crescimento rápido e exponencial da iniciativa, o que também tornou difícil o controle e a realização de ações coordenadas entre os associados; (b) e as inúmeras críticas pela ausência de diversidade dos participantes – possivelmente, o fato do grupo usar prisões como parte de sua tática de atuação acaba por afastar a participação de pessoas negras, pardas e de outras minorias étnicas, uma vez que são alvos prioritários da ação policial, reflexo do racismo institucional entranhado na sociedade contemporânea. 


Para além de pesquisar mais sobre o movimento no site e redes sociais da iniciativa, busquei entender como os grupos que atuam no Brasil se posicionam, com quais outros setores da sociedade civil estão engajados, entre outras informações que pudessem me ajudar a refletir sobre o modelo proposto e sobre a efetividade das ações realizadas, considerações que apresento a seguir. 


Novos caminhos para a construção de um outro mundo possível? 


Desde muito cedo participo de grupos e movimentos sociais – comecei como parte do movimento estudantil secundarista no Brasil e direcionei minha trajetória acadêmica para que pudesse atuar na construção de um mundo mais justo e igualitário. Já formada em Relações Internacionais, compus a equipe de organizações não-governamentais (ONGs) e centros de pesquisa ligados à proteção dos direitos humanos. Entretanto, mesmo vinculada formalmente e profissionalmente ao campo, segui participando de movimentos mais fluidos como forma de contrapor a extrema burocratização e consequente engessamento da atuação dessas organizações. 


Acredito que é parte fundamental do papel da sociedade civil organizada apontar os problemas que precisam ser resolvidos, indicar caminhos para a implementação de novas formas de se “fazer política”, assim como participar da construção de soluções possíveis. Entretanto, é angustiante o tempo de espera e os longos processos que precisam ser percorridos para vermos pequenas mudanças na sociedade em que vivemos. 


Especificamente para refletirmos sobre o Extinction Rebellion é importante, primeiro, destacar algumas particularidades dos movimentos sociais: diferente das organizações da sociedade civil, faz parte do papel dos movimentos sociais incentivar o conflito (de ideias, ações, propostas) e questionar de forma contundente elementos políticos e culturais que barram mudanças importantes para a transformação da realidade questionada, buscando, assim, alterar as dinâmicas de poder impostas. Aos “novos” movimentos sociais outras duas características também são importantes: são movimentos difusos, sem uma clara liderança; e seus objetivos e demandas não estão definidos previamente – “o processo é a mensagem”. 


Mesmo entendendo os motivos, o contexto e a lógica que pauta a operacionalização do movimento, eu ainda não estou convencida que as ações propostas pelo Extinction Rebellion sejam capazes de promover mudanças efetivas e imediatas, como o grupo demanda. A formalização de políticas públicas ou de ações coordenadas que respondam às demandas apresentadas são passos fundamentais para a contenção dos impactos das mudanças climáticas e para a formulação de modelos econômicos mais sustentáveis. A ausência de propostas possíveis de serem operacionalizadas pelo poder público e para sua implementação em curto e médio prazo, me afastam da atuação proposta. 


Entendo, entretanto, que esse modelo de atuação é importante como parte de um processo maior de pressão por mudanças, uma vez que são ações capazes de impulsionar à longo prazo transformações culturais profundas na nossa sociedade: a) reforçando a importância para que temas específicos sejam incorporados como parte da agenda política de organizações da sociedade civil, de grupos governamentais e de outros setores da sociedade (mídia, empresas privadas, financiadores, etc.), b) fazendo com que os temas apresentados sejam conhecidos, discutidos e progressivamente reconhecidos como relevantes para uma ampla parcela da sociedade, c) pautando de forma mais progressista a forma como governos deveriam responder aos problemas apresentados e d) testando novos modelos de gestão, de articulação e de engajamento. 


Acredito também que movimentos como o Extinction Rebellion são importantes para incentivar novas formas de ação coletiva, para nos ajudar a resgatar a sensibilidade adormecida pelo cotidiano para temas de direitos humanos, reforçar a necessidade de uma maior empatia por aqueles mais afetados pelas desigualdades globais, além de nos inspirar a lutar por um futuro melhor, mesmo sabendo que muitos dos resultados de nossas ações de hoje pertencerão a um mundo do qual não faremos parte. Por fim, mesmo que pessoalmente eu não esteja propensa a me engajar com movimentos sociais que se valham desse modelo de atuação, defendo sua importância e acredito que são ações como as propostas que nos ajudam a acreditar que podemos ser agentes de mudanças, que nos conectam com causas importantes e com pessoas que lutam por um mundo melhor. 


Para saber mais sobre como a mudança social acontece lê o livro “Onde Começa a Mudança”, de Duncan Green. Através de uma perspetiva que põe em evidência questões sistémicas e relacionadas com o poder, o livro acaba por ser também um guia prático para a mudança.   

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