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Créditos da imagem: Alexandra Koleva via Fine Acts


Este artigo faz parte de uma série de textos escritos para a disciplina “Social Activism and Global Change” do Mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional do ISEG. Com a proposta de refletir sobre o desenvolvimento e mobilização da sociedade civil, os textos debatem sobre ativismo e os diferentes modelos de atuação da sociedade civil considerando as dinâmicas de poder relacionadas às mudanças propostas bem como o contexto e momentos-chave que possibilitam a mudança. 


O Fórum Social Mundial (FSM) é um exemplo da reunião de diversos movimentos sociais com o objetivo de imaginar novas visões de futuro e elaborar alternativas para uma transformação social global. 


A ótica do poder no contexto de surgimento do Fórum Social Mundial 


A expansão do modelo económico neoliberal é um ponto fulcral para o posicionamento das peças no tabuleiro no contexto do surgimento do FSM. As crises dos anos 70, a globalização, o Consenso de Washington e as ideias económicas  (privatização, liberalização dos mercados, menor intervenção do Estado) praticadas por organizações hegemónicas, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Banco Mundial (instituições que representam o poder, visible power), afetaram os países e as populações menos desenvolvidas.   


É natural que toda esta desigualdade tenha criado descontentamento nas camadas mais marginalizadas das sociedades, mais especificamente no Sul Global, uma vez que foram as que mais sofreram com estas ideias. É então lógico que, como resposta, tenham surgido manifestações e movimentos em todo o mundo que visavam trazer reais mudanças num mundo desigual. Exemplos como a “Batalha de Seattle”, que é considerada uma janela de oportunidade (critical juncture), ou as ​​​​inúmeras manifestações durante o ano 2000 (como os protestos em Davos, Praga e Nice), demonstraram como as pessoas realmente têm poder (invisible power) para forçar mudanças e criar alternativas. 


Com um novo século no horizonte, surgiu a expectativa de que seria possível mudar o mundo. Em 2000, vários representantes de movimentos sociais brasileiros juntaram-se para discutir a possibilidade de criar um novo fórum que apresentasse ao mundo novos projetos e movimentos sociais. Surge então o Fórum Social Mundial. O local escolhido para a realização do FSM (Brasil) estava a passar por várias alterações devido ao processo de (re)democratização e, por isso, um fórum que trouxesse questões de direitos humanos, democratização e justiça social era significativo. 


Imaginar novas visões de futuro


O FSM opunha-se ao Fórum Económico Mundial (FEM), que tanta desigualdade criou. Realizado no mesmo dia que o FEM, a própria localização espelha a diferença entre um fórum das elites (realizado em Davos, Suíça) e do resto do mundo (realizado em Porto Alegre, no Brasil). Todos os FSM até agora, com exceção dos eventos em 2016 (Canadá) e 2021 (online, devido ao COVID-19), foram realizados em países do Sul Global. O FSM inverteu o foco:  sobrepõe as questões sociais à agenda económica e dá expressão às pessoas e países que, historicamente, nunca tiveram chance de ser ouvidos. As primeiras edições trouxeram consigo uma renovada esperança por um mundo melhor, ganhando uma onda de apoio popular e estando frequentemente na boca dos media. 


Outra inovação do FSM que merece destaque foi a forma como o fórum arquitetou uma estrutura que permitisse descentralizar e possibilitar mais pessoas a participar nestes eventos sem ter de viajar longas distâncias (poupando dinheiro). Isto foi alcançado através de uma divisão regional, mas sem alterar a forma como os eventos decorriam, ou seja, ainda que fossem divididos em regiões, isto não implicava que os objetos de trabalho fossem focados apenas nos problemas dessa região. Mais uma vez, todas as pessoas e todos os tópicos eram e são bem-vindos. O FSM é assim um espaço aberto, com o objetivo de criar novas alternativas para alcançar um mundo mais solidário. É preciso ter atenção quanto à sua denominação. Este não é um movimento social, mas sim uma aglomeração de diferentes movimentos sociais de diversas sociedades civis.  


No geral, o FSM representa uma mudança na sociedade. Durante décadas, a palavra desenvolvimento era apresentada apenas como uma questão de crescimento e prosperidade económica (modelo neoliberal). No entanto, é natural que a ineficiência destes modelos, que só agravaram as condições de vida em muitos países em desenvolvimento, tenha resultado num descontentamento e inconformismo com o status quo. Era necessário por parte da sociedade imaginar novas visões para o futuro. É por isso que o FSM e outros movimentos ganharam espaço e relevância no debate sobre o que é realmente um desenvolvimento completo. 


Algumas críticas ao Fórum Social Mundial 


É natural que existam críticas quando analisamos um projeto tão complexo. Todo o ímpeto inicial do FSM foi-se evaporando, pois, enquanto é verdade que o fórum demonstra estar do lado correto na luta ideológica contra o neoliberalismo, nunca foi capaz de construir um movimento social internacional. O FSM era “moralmente vitorioso”, mas politicamente ineficaz. A sua dimensão também explica a sua ineficácia. Como acolhe tantos grupos e ideais diferentes, nenhuma se sobrepõe às outras. Para alguns, se não for dada prioridade a certas questões o fórum continuará a ser ineficaz (como o FSM ocorre anualmente, talvez uma possibilidade seria escolher um ou dois tópicos por edição). O próprio modelo de organização descentralizado e horizontal traz desafios. Como se pode imaginar, assegurar que todos tenham uma participação e poder igualitário não é uma tarefa fácil.  


Uma das críticas mais recentes é a preponderância que as organizações não-governamentais (ONG) começaram a ter nestes fóruns. Em vez de todos os movimentos serem ouvidos, o centro das atenções está nas maiores e mais ricas ONG. No entanto, esta crítica não se aplica apenas ao FSM. Hoje em dia, muitos movimentos sociais estão cada vez mais profissionalizados, dificultando a participação de movimentos sociais de base (grassroot movements). A criação de um consenso quando tantos atores estão envolvidos nunca é simples, mas parece-me lógico que é uma parte necessária aquando da democratização de um evento.   


O FSM deu voz a novos grupos, indivíduos e ideias, apresentando-as ao mundo. Contudo, nem tudo é perfeito. O facto de o FSM ser tão expansivo implica que, por vezes, o debate fique só por palavras, sendo incapaz de alcançar resultados políticos. Para além disso, muitos participantes sentem que não estão a ser ouvidos. Será que estas críticas justificam afirmar que o FSM não é ou nunca foi importante? Não. Parece-me incorreto não dar o devido valor ao Fórum Social Mundial e o seu papel no crescimento deste movimento  por um mundo mais equilibrado, justo e solidário. 


Para saber mais sobre como a mudança social acontece lê o livro “Onde Começa a Mudança”, de Duncan Green. Através de uma perspetiva que põe em evidência questões sistémicas e relacionadas com o poder, o livro acaba por ser também um guia prático para a mudança.

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