Créditos da imagem: Bibliotchova, uma biblioteca móvel da AIDGLOBAL.
O estudo “Inovação e Mudança nas ONGD Portuguesas”, realizado pela Oficina Global/CEsA com o apoio e colaboração da Plataforma Portuguesa da ONGD e financiado pelo Camões, I.P., foi publicado em março de 2022. O trabalho de autoria das investigadoras Ana Luísa Silva e Renata Assis faz um mapeamento da cultura, capacidade e estruturas de apoio à inovação bem como dos entraves à inovação existentes nas ONGD portuguesas e propõe um conjunto de reflexões sobre possíveis caminhos para a construção de um ecossistema mais propício à inovação no sector do desenvolvimento. Neste segundo artigo da sequência da série sobre “Inovação para o Desenvolvimento” trazemos exemplos práticos de inovações realizadas pelas ONGD portuguesas.
A prática da inovação nas ONGD portuguesas
A inovação é uma prioridade para a grande maioria das ONGD portuguesas, sendo que 96% das ONGD que participaram no inquérito do nosso estudo afirma ter inovado nos últimos três anos. Ainda assim, 74% identifica obstáculos que condicionam a capacidade das suas organizações para inovarem mais e melhor, sobretudo relacionados com financiamento e recursos humanos disponíveis.
As motivações para inovar, bem como as categorias de inovação, são variadas. As principais justificações para inovar encontram-se na adaptação e na resposta a novas realidades e desafios atuais. Nos exemplos concretos de inovação, as inovações organizacionais são as mais recorrentes e as inovações ao nível das estruturas de financiamento e dos mercados e sistemas as menos frequentes.
Exemplos de inovação
As inovações identificadas pertencem a uma variedade de categorias (ver tabela) e muitas vezes uma inovação pertence a mais de uma categoria ao mesmo tempo. A pandemia de Covid-19 foi sem dúvida um desafio que exigiu respostas inovadoras das ONGD. No entanto, a inovação já era uma atividade presente nas organizações, nomeadamente no que diz respeito a aspectos organizacionais, metodologias de trabalho e produtos/serviços oferecidos. Além desses, componentes de advocacy e mobilização social também estão presentes nas inovações identificadas.
Aqui destacamos alguns exemplos de inovações identificados no inquérito do estudo “Inovação e Mudança nas ONGD Portuguesas” e também no estudo “A Rede Cáritas em Portugal e a Resposta à Covid-19″.
- Inovações em resposta à pandemia de Covid-19
GASPORTO: De forma a manter a segurança dos colaboradores e beneficiários e continuar a responder às necessidades do público-alvo em Moçambique, a organização precisou de reorganizar a equipa no terreno e a sua estrutura, adaptando processos e transferindo tarefas para os profissionais locais, o que resultou num enorme esforço de capacitação de todos os profissionais.
Cáritas Arquidiocesana de Braga: Com o objetivo de mitigar os impactos da pandemia no bem-estar humano, combatendo o isolamento social e promovendo a saúde mental dos utentes da instituição, criou o programa Comunidade+, que desenvolve conjunto de atividades ocupacionais e culturais, com recurso ao meio natural como contexto restaurador e terapêutico.
Cáritas Diocesana de Beja: Através do uso de tablets e da contratação de um terapeuta ocupacional, procurou-se mitigar os efeitos negativos das imposições de isolamento e distanciamento físico impostas pela pandemia nos utentes idosos, criando o projeto “Humanamente @ctivos” que integrou tecnologias digitais no Serviço de Apoio ao Domicílio da organização.
- Inovações com componentes de advocacy e mobilização social
Fundação AMI: Com o projeto “Change The World Hostels”, a organização reabilitou imóveis que estavam na sua esfera jurídica e transformou-os em alojamento locais, seguindo sua filosofia de sustentabilidade financeira. Além de gerar receitas para financiar os projetos da fundação, o projeto mobiliza os hóspedes sobre responsabilidades social e ambiental.
Corações com Coroa: A organização associou-se ao movimento #TodasMerecemos para desenvolver o projeto “A Menarca vai à Escola” com os objetivos de desmistificar e informar sobre a menstruação, trabalhar com os alunos e alunas a igualdade de género e o conceito de pobreza menstrual e trabalhar a questão da sustentabilidade ambiental.
Associação Kanimambo: A organização desenvolve ações de sensibilização para integração de pessoas com albinismo no mercado de trabalho, promovendo assim a autonomia financeira e autoconfiança dessas pessoas. As ações constituem uma nova forma de mobilização dos parceiros empresariais em Moçambique, para que considerem a contratação de pessoas com albinismo. As contratações já realizadas são mediatizadas para que outras entidades empregadoras façam o mesmo com base no exemplo dado.
Médicos do Mundo: Através da sua Rede Internacional, em conjunto com outras organizações, apresentou, em 2015, no Instituto Europeu de Patentes (IEP) uma contestação à patente do sofosbuvir (medicamento para tratamento da hepatite C), que buscava um preço mais justo e a possibilidade da introdução de versões genéricas com vista a garantir o acesso de todos os doentes ao tratamento. Em 2018, o IEP decidiu manter a patente de um dos componentes farmacêuticos do medicamento, apesar do mesmo ser inativo, mas a ação da MdM abriu portas para iniciativas de contestação e para a revogação de patentes deste medicamento em outros países.
- Inovações de produtos/serviços e metodologias de trabalho
AIDGLOBAL: A ONGD criou o conceito e modelo da Bibliotchova, uma biblioteca móvel cujo desenho foi inspirado num carrinho de mão muito típico de Moçambique, conhecido como tchova, em resposta a inexistência de espaços físicos nas escolas moçambicanas para acolher bibliotecas, de forma a possibilitar a criação de um ambiente favorável à leitura e alfabetização.
Instituto Marquês de Valle Flôr: Como resposta aos desafios no acesso a cuidados de saúde especializados em São Tomé e Príncipe, o projeto “Saúde para Todos” criou a plataforma Medigraf, uma ferramenta tecnológica para realizar serviços na área de telemedicina. Esta tecnologia veio permitir a observação médica a milhares de quilómetros de distância com a mesma qualidade de uma observação presencial.
O estudo “Inovação e Mudança nas ONGD Portuguesas”, realizado pela Oficina Global/CEsA, foi publicado em março de 2022 e está disponível para download aqui. No primeiro artigo desta série apresentamos as prespetivas de inovação no contexto da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento. No terceiro e último faremos uma reflexão sobre as estruturas de apoio à inovação.