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Na última sessão da edição de 2021 dos Development Studies Seminars, promovidos online pelo CEsA/ISEG entre 25 de março e 13 de maio, Ana Borges Pinho, doutoranda pelo King’s College London e pela Universidade de São Paulo, discutiu um pouco da sua pesquisa de doutoramento sobre a filantropia norte-americana para o meio ambiente no Brasil, este que é o maior recipiente deste tipo de financiamento na América Latina. Neste artigo, Rafaela Almeida, mestranda em Desenvolvimento e Cooperação Internacional no ISEG, deixa-nos as suas impressões deste seminário online. Este e outros seminários do CEsA/ISEG podem ser revistos aqui. Créditos da imagem: Ilustração de Rafael Edwards. Disponível neste link.


Na tentativa de perceber os novos atores do desenvolvimento, e como são diferentes dos doadores da OCDE-CAD, a pesquisadora identificou, a partir dos anos 2000, a emergência de debates sobre a cooperação Sul-Sul, bem como sobre os atores privados filantrópicos. Apesar de as fundações terem atraído muita atenção da academia e de todo o setor desde então (sobretudo em função do peso financeiro e midiático da Fundação Bill e Melinda Gates), há ainda pouca pesquisa empírica sobre o tema, o que justifica a sua escolha do tema para investigação.


Mas afinal, o que as organizações privadas fazem de diferente em relação aos atores convencionais de cooperação para o desenvolvimento?


Para tentar responder a esta pergunta, a pesquisadora selecionou como objeto de estudo três fundações norte-americanas que fazem filantropia direcionada à causas ambientais no Brasil, que são: a Charles Stewart Mott Foundation, cujo direcionamento visa os setores de finanças e comércio, projetos e infraestrutura, e é voltada para políticas públicas; a William and Flora Hewlett Foundation, com maior atuação na área de energia e maior investimento para pesquisa científica; e a Gordon and Betty Moore Foundation, com foco majoritário nas questões de terra e preocupação dirigida ao provimento de recursos para a área da preservação. 


As fundações, enquanto organizações privadas, detém muitos recursos e, pelo fato de  possuírem capital próprio, podem (em teoria) arriscar mais, apoiar novas ideias e parcerias a longo prazo, e assim, cria-se a imagem de que podem ser mais inovadoras. Mas afinal, na prática, o que as organizações privadas fazem de diferente em relação aos atores convencionais de cooperação para o desenvolvimento?


Em um primeiro momento, podemos pensar que essa dinâmica ocorre de modo fácil e que as fundações sempre assumirão os riscos da inovação. Contudo, Ana Borges Pinho ressalta que é necessário ir além, pois na maioria dos casos, quando há pesquisa e investimento em inovação, ela é realizada com as mesmas organizações e ainda com um grande foco em projetos específicos. Ainda em relação à inovação, foi apresentado o exemplo da Fundação Hewlett que investe em pesquisas na área de energia e realizou estudos sobre a implementação de ônibus elétricos na cidade de São Paulo. O que nos leva a pensar: quão inovador é isso? O que se entende por inovação nesse cenário pode ser medido apenas pela importação de modelos e tecnologias já existentes?


É possível perceber a relevância da análise da filantropia, que emergiu nos debates da academia a partir dos anos 2000 e sua relação com o meio ambiente no Brasil, enquanto maior área de direcionamento no maior recipiente latino-americano. Porém, por que as fundações que tem maior relevância na filantropia para o meio ambiente são as norte-americanas e não as brasileiras?


Seria preciso uma mudança de paradigma sobre o que é o bem público, o que a filantropia deveria fazer e qual o papel de uma fundação no contexto brasileiro para a realidade brasileira.


Ana Borges Pinho aponta que há diferenças de paradigmas entre as duas realidades da filantropia norte-americana e a brasileira. Enquanto a primeira é mais voltada para projetos com as Organizações Não-Governamentais (ONGs) como já exemplificados acima, a realidade das fundações brasileiras ainda é muito focada em empresas, de modo que elas têm suas próprias fundações, sem muita ligação com a sociedade civil e ONGs, com seus próprios projetos, direcionados em sua maioria para a educação. Apresentam ainda um caráter neoliberal visível  através de investimentos em cursos de capacitação para o mercado de trabalho e não necessariamente para a mudança social. Assim, seria preciso uma mudança de paradigma sobre o que é o bem público, o que a filantropia deve fazer e qual o papel de uma fundação no contexto brasileiro para a realidade brasileira.


Portanto, as fundações norte-americanas atuam como as principais facilitadoras na realização da filantropia para o meio ambiente aliadas às ONGs brasileiras que mais se adequam aos seus ideais e propósitos. Neste contexto, como ficam as estratégias de financiamento? Será que não há, de certo modo, interesses imperialistas que se camuflem nessa filantropia capitalista? Ana Borges Pinho, através dos seus estudos, nos chama atenção para o fato de que essas estratégias estão diretamente ligadas aos estatutos das fundações e que, o que de fato concede mais flexibilidade para o uso do financiamento, é a relação direta das ONGs com o program officer (o responsável direto dentro das fundações) e, além disso, as ONGs não mudam seus propósitos de acordo com os das fundações que as financiam, porque já há um alinhamento prévio desses interesses e propósitos no momento da seleção dos recipientes.


Apesar de todas as questões que possam existir acerca deste tema, que desperta muita curiosidade e até um certo estranhamento, podemos dizer que, apesar da filantropia norte-americana não ser tão inovadora como possa parecer, em um contexto no qual as fundações brasileiras não são as melhores opções para atender as demandas de financiamento para o meio ambiente, é inegável que a presença das fundações norte-americanas é relevante para as ONGs em projetos para o meio ambiente.


Suas atuações podem se dar de modo mais direto, como a oradora chamou de atuações mais “mão na massa”, a exemplo da Fundação Moore com a produção de equipamentos para monitoramento de queimadas, ou de maneira mais indireta como a Fundação Hewlett, que direciona 32% do financiamento para o setor de capacity building, com apoio à capacitação e despesas regulares das ONGs, para gerir a sua atuação ou mesmo a criação de novas ONGs. O melhor exemplo disto é o investimento da Fundação Hewlett para a criação do “iCS – Instituto Clima e Sociedade” para o meio ambiente no Rio de Janeiro.

O vídeo completo do seminário “Giving Green: Filantropia Norte-Americana para o Meio-Ambiente no Brasil”, com a oradora Ana Borges Pinho, está disponível no canal do CEsA/ISEG no youtube com acesso neste link.

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