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A celebração do Dia Mundial da Terra: perspectivas futuras e novos indicadores de desenvolvimento integrados ao impacto das atividades humanas nos ecossistemas terrestres, uma nova forma de observar o desenvolvimento humano.

Na década de 1970, os cientistas e ambientalistas começaram a registrar os efeitos negativos das atividades humanas sobre o meio ambiente de forma estruturada e a construir uma consciência global para a proteção da biodiversidade, a redução da poluição, entre outras questões ambientais para proteger nosso planeta. Nesta altura, foi criado o Dia da Terra, pelo político e ambientalista norte-americano Gaylord Nelson que chamou a atenção da sociedade e da indústria para o domínio do ser humano sobre a natureza e o convívio pouco harmonioso entre si. 


“A Terra é o único mundo conhecido até agora para abrigar vida. Não há outro lugar, pelo menos num futuro próximo, para onde a nossa espécie possa migrar. Visitar, sim. Assentar, ainda não. Gostando ou não, de momento, a Terra é onde nos encontramos.” (Carl Sagan, 1997).


Em 2021, apesar dos consideráveis avanços nas discussões nacionais e internacionais sobre a urgência da preservação dos recursos naturais e diante da emergência climática, ainda há um longo caminho para a construção de alternativas de curto, médio e, principalmente, longo prazo com vistas a mitigar os efeitos da atividade humana na Terra. A cada ano, antecipamos o “Dia da Sobrecarga da Terra“, o que implica dizer que estamos a consumir os recursos naturais mais rápido do que a capacidade de regeneração da Terra. 


Observa-se que os temas relacionados à emergência climática passaram a fazer parte da vida dos cidadãos e tornaram-se mais acessíveis às pessoas. Mas, diante das previsões de um colapso cada vez mais próximo, em razão das contínuas mudanças nas relações econômicas, sociais e culturais deste século, os problemas ambientais ainda persistem e se agravam. É preciso questionar a narrativa de soluções para um “problema externo”, e refletir sobre nossas necessidades e os caminhos para um desenvolvimento humano mais equilibrado em todas as suas dimensões, para que a mudança atenda as necessidades dos humanos e do planeta. 


Em seu mais recente Relatório do Desenvolvimento Humano, o PNUD delimita a “próxima fronteira” em que oferece uma alternativa ao tratar do desenvolvimento humano na era do Antropoceno. Propõe um novo Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado às Pressões sobre o Planeta (IDHP) como uma nova métrica para o desenvolvimento. Esta nova métrica de desenvolvimento revela como o planeta sustenta a nossa existência e salienta a necessidade de renovar o desenvolvimento humano para o Antropoceno e buscar mecanismos de mudança para catalisar a ação voltada para o bem-estar das pessoas e do planeta. Numa metáfora utilizada pelo próprio PNUD, é necessário promover o crescimento do bolo, a sua repartição apropriada e igualitária, mas também proteger o forno.


“O documento demonstra como o cenário de desenvolvimento global mudaria se o bem-estar das pessoas e do planeta fossem centrais na definição do progresso da humanidade.” (ONU News, 2020)


A nova era geológica do Antropoceno indica que os seres humanos tornaram-se os grandes responsáveis por moldar o futuro do planeta. Diante de um futuro incerto, optamos por abrir novos caminhos para expandir a liberdade humana e ao mesmo tempo reduzir a pressão sobre o planeta? Ou escolhemos tentar – e no final das contas falhar – retornar à fórmula usual para pular em águas desconhecidas e perigosas? (PNUD, 2020).


Se optarmos pela primeira opção, torna-se impossível dissociar os desafios ambientais dos económicos e sociais. É preciso transformar o modo como vivemos, repensar, também, os padrões de produção e consumo para que possamos coexistir com a natureza. O desenvolvimento sustentável proposto tem por objetivo a redução das pressões planetárias, considerando os grupos marginalizados, a justiça ambiental e a responsabilidade intergeracional, de forma que, “a equidade, a inovação e a preservação se tornem centrais para o significado de viver bem a vida. De modo que, a prosperidade humana possa coexistir com o alívio das pressões sobre o planeta.” (PNUD, 2020).


Fonte: Relatório do Desenvolvimento Humano de 2020 realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.


Para que isso aconteça, busca-se um mecanismo de mudança, por meio da ação conjunta de cientistas, dos governos nacionais e locais, de práticas individuais e coletivas da sociedade civil, possibilitando “trabalhar com a natureza e não contra ela, enquanto se transformam normas sociais, valores e incentivos governamentais e financeiros” (PNUD, 2020). 


Os mais recentes estudos científicos nos apresentam novas métricas capazes de medir, dentro de nove categorias, os limites e a estabilidade dos sistemas planetários e mostram que o respeito a estes limites pode reduzir os riscos de um sistema terrestre inóspito. As reuniões internacionais do clima também sinalizam para limites mais rígidos das emissões de carbono – que aumentaram em média 140% entre 1970 e 2020, de acordo com o  Global Carbon Project – e para a construção de um novo modelo económico, como propõe o Acordo Verde da União Europeia.


Fonte: Planetary Boundaries. Stockholm University. Sustainability for Biosphere Stewardship.


Do mesmo modo que o desenvolvimento humano é dinâmico, suas métricas também devem ser e, para uma nova era, são necessárias novas medidas para o desenvolvimento humano. Propõe-se, em caráter experimental, o IDHP, que apresenta métricas que ajustam a componente de rendimento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) a considerar os custos do carbono, ora social, ora para a riqueza natural. A título de exemplo do que representa essa mudança, a Noruega, primeira da lista do IDH, quando aplicadas as métricas de pressão sobre o planeta, o IDHP, cai 15 posições, ou seja, o desenvolvimento convencional ainda se apoia na destruição do meio ambiente, mas os efeitos são mais penosos para aqueles considerados menos desenvolvidos. O IDHP, portanto, proporciona uma métrica destinada a orientar a trajetória de progresso do desenvolvimento humano e de alívio simultâneo das pressões sobre o planeta.


Fonte: Rafael Marchante/REUTERS


Além disso, a atual crise da Covid-19 evidenciou e aprofundou os desafios existentes e colocou em cheque 30 anos de melhorias, ainda que tímidas, do desenvolvimento humano. A crise sanitária descortinou a fragilidade dos nossos sistemas e evidenciou uma face perversa das desigualdades econômicas e dos desequilíbrios sociais e ambientais, frutos de um modelo de produção e de consumo construído ao longo da história moderna. De modo que, os impactos da pandemia refletem-se no retrocesso social e económico de muitas sociedades e na amplificação de desafios pré-existentes à crise, experienciados de modo desigual pelas diferentes regiões do mundo.


“Em pouco mais de uma década, a crise financeira mundial, a crise climática, a crise da desigualdade e a atual crise da Covid-19 demonstraram que a resiliência do próprio sistema está a colapsar” (PNUD, 2020).


A compreensão de como nos organizamos socialmente e de como o modelo económico predominante é predatório, em relação às pessoas e ao meio ambiente precisa, ser posta em pauta, na tentativa de frear e, num cenário mais otimista, reverter os impactos e contradições econômicas, sociais e ambientais, para que a sobrevivência da nossa espécie seja uma possibilidade de futuro, já que não é possível vislumbrar um desenvolvimento humano que amplie nossas liberdades e capacidades, em um Planeta doente e hostil para a vida humana.

Embora os alertas sinalizem o colapso, é urgente pensar o amanhã e, gradativamente, reverter as contradições e desigualdades geradas pelo modelo atual. A esperança está na capacidade dos seres humanos, nesta nova era Antropocênica, de mudar comportamentos e atitudes. Este Dia da Terra é, portanto, uma oportunidade de (re)tomada de consciência individual e coletiva, assim como em 1970, para sensibilizar, mobilizar e exigir mudanças. É um chamado para um (re)começo para os humanos e um respiro para o Planeta Terra.


6 comentários

  1. O problema é que esse tema é muito vasto para finalizar num artigo não é?… foi boa a abordagem, mas sinceramente não vejo saída no modelo predatório atual da civilização. Mesmo porque não dá nem para pensar em mais desenvolvimento “sustentável” nestes moldes. Na atual situação temos que promover a igualdade e frear o chamado desenvolvimento. Não posso ficar otimista com o nível de pensamento e dos consensos hoje no mundo!… para salvar o planeta já teríamos que estar mais adiantados nas várias soluções exigidas e ter uma educação global já como pensamento abarcando e consensuando todas as tendências!

  2. Muito bem elaborado, existe uma preocupação mundial com o meio Ambiente. O Dia da Terra! Fantástico! Parabéns aos mestrandos! Conheci o Gabriel Londe menininho! Parabéns , sucesso e grande abraço! 🙏🙏

  3. Ótima iniciativa, tendo em vista que é um tema que precisa ser trabalhado urgentemente por toda categoria e setores público e privado e população em geral. Temos que manter essa alerta em evidência, para que essas sugestões saiam do papel o quanto antes. O que é visto sempre é lembrado.
    Parabéns 👏👏👏

  4. Já diria Walter Benjamin : “A teoria e, mais ainda, a prática da social-democracia foram determinadas por um conceito dogmático de progresso sem qualquer vínculo com a realidade”. Em nome deste dito progresso nos encontramos em ruína e caminhando, ou correndo, a passos largos em direção à extinção humana. Urge, portanto que direcionemos nossa visão sobre o modo de produção e reprodução da vida. Fundamental o texto, ainda mais pela solução que perpassa, necessariamente, a esta solução.

  5. Artigo incrível, parabéns Rafaela e Gabriel! Reflexões mais que necessárias nesse momento crítico que vivemos. A proposta do IDHP é, sem dúvidas, um ótimo começo para se alterar o modo de pensar o desenvolvimento. De fato, o papel dominante do ser humano sobre a natureza é cruel e injusto. Não somos donos do Planeta, e sim coabitamos nele com todos os outros seres que, juntos e em liberdade, trazem harmonia e equilíbrio ao ecossistema. Como bem dito: “É preciso transformar o modo como vivemos, repensar, também, os padrões de produção e consumo para que possamos coexistir com a natureza.” Impossível desassociar esse pensamento do veganismo. É claro que o mecanismo primordial da mudança precisa partir de ações governamentais e empresariais, mas já não podemos mais esperar. É preciso mudar e cobrar a mudança dos que detém o poder de alterar a realidade de forma significativa. “A esperança está na capacidade dos seres humanos, nesta nova era Antropocênica, de mudar comportamentos e atitudes.” É isso!! Mais uma vez, parabéns pelo texto!

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