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Bending the Arc: o exemplo de um movimento pelo acesso a cuidados de saúde universais 


O ativismo é uma inspiração para todos os inconformados com as injustiças e desigualdades sociais. Contar a história de pessoas que dedicam suas vidas a trabalhar pela mudança que querem ver no mundo é uma forma de expandir a mensagem de que a transformação é possível e também de mostrar Onde Começa a Mudança. Por isso, e a propósito do lançamento da tradução para português do livro de Duncan Green sobre este tema (prevista para breve – os primeiros capítulos já estão disponíveis para download aqui), indicamos o documentário Bending the Arc (Impact Partners, 2017), disponível na plataforma Netflix – com os títulos Parceiros da Saúde, no Brasil e Bending the Arc: Saúde para todos, em Portugal.  


O documentário não só exemplifica vários conceitos que são trabalhados por Duncan Green em seu livro Onde Começa a Mudança, mas fala de ativismo numa área muito atual em contexto de pandemia: a saúde como um direito humano fundamental. O filme mostra como o ativismo pode provocar a mudança e, assim, ao mesmo tempo nos inspira a buscar transformar positivamente o mundo em que vivemos e nos mostra os desafios da mudança social. Ao contrário da ideia que muitas vezes é passada de que é apenas necessário encontrar uma solução tecnocrática para os problemas sociais, para alcançar uma mudança verdadeira e duradoura é preciso perceber os problemas à luz da “Abordagem na ótica do Poder e dos Sistemas”, como propõe Duncan Green.  


Bending the Arc narra a história de um grupo de ativistas (Dr. Paul FarmerDr. Jim Yong KimOphelia DahlTodd McCormack e o investidor Thomas White) que, inconformados com o fato de milhões de pessoas não terem acesso à saúde, se reúne nos anos 1980 e começa a prestar cuidados básicos de saúde em uma aldeia rural no Haiti. Já no início de seu trabalho, o grupo percebe a necessidade de compreender todo o sistema em que estão inseridos. Duncan Green destaca esse aspecto afirmando que os ativistas deveriam ser “refletivistas”questionando continuamente as realidades que observam e com as quais interagem, não esquecendo que em todo o processo de mudança intervêm vários tipos de conhecimento e que o próprio ativista tem um lugar de fala. Dessa forma, é possível desenvolver um sistema de resposta contínua aos problemas encontrados. A aprendizagem adquirida pelos ativistas faz com que seja possível adaptar o sistema de tratamento que vinham adotando e obter melhores resultados. 


Entretanto, conseguir fazer com que as soluções apresentadas para realizar tratamentos em áreas remotas fossem aplicadas não dependia somente do conhecimento adquirido pelos ativistas de como fazê-lo. Era preciso convencer os governos locais e as instituições internacionais – os donos do dinheiro – de que aquelas pessoas negligenciadas podiam (e mereciam) se curar se recebessem os cuidados certos. Embora os tratamentos existissem, não eram disponibilizados à população dos países em desenvolvimento por terem um custo elevado. Até mesmo a Organização Mundal de Saúde (OMS) tinha um posicionamento na época de que não era sustentável disponibilizar tratamentos para tuberculose resistente e HIV/AIDS (VIH/SIDA) nos países em desenvolvimento. A saída encontrada pelos ativistas foi “confrontar o poder com a verdade” (na expressão usada por Duncan Green), e apresentar dados que mostravam que era possível tratar essas pessoas, enfrentando os obstáculos institucionais para tornar a mudança real. 


Toda a mobilização pela necessidade e urgência de cuidados de saúde universais, principalmente para tratar doenças cujos tratamentos só não eram amplamente disponibilizados por questões políticas, contribuiu, alguns anos depois, para mudar o posicionamento de Organizações Internacionais, como a OMS e o Banco Mundial, e também para criação do Fundo Global de Luta Contra AIDS, Tuberculose e Malária, hoje uma instituição fundamental para a saúde pública global. No contexto da atual pandemia de Covid-19 é de extrema importância reconhecer que as mudanças retratadas no documentário tenham acontecido, pois oferecem um exemplo prático (para além do ponto de vista ético e dos direitos universais) que mostra que é possível garantir o acesso universal à vacina (como um bem público global) e não apenas aos países/indivíduos que podem pagar. Afinal, disponibilizar a vacina não depende (só) de questões tecnocráticas – é uma escolha política.  


A mudança é complexa e não acontece de forma linear. Duncan Green deixa esses pontos claros desde o início do seu livro e o documentário os exemplifica muito bem. O caminho para mudança passa por fases de pensamento, ação, aprendizagem e adaptação. E, além disso, é importante considerar os acontecimentos imprevisíveis. 


Seja qual for a causa a que se dedique a trabalhar pela mudança, ter em conta a abordagem na ótica do poder e dos sistemas proposta por Duncan Green pode contribuir para que suas ações tenham maior impacto. E ver histórias de movimentos e ativistas que conseguiram gerar a mudança, como a contada em Bending the Arc, é uma ótima forma de inspiração. 

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