Cooperação para o DesenvolvimentoInovação

Créditos da imagem: Gerd Altmann via Pixabay.


O estudo “O Futuro da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento: fragmentação, adaptação e inovação em um mundo em mudança”, realizado pela Oficina Global/CEsA a pedido da Plataforma Portuguesa das ONGD, foi publicado em março de 2021. Este trabalho, da autoria dos investigadores Ana Luísa Silva, Luís Mah e Luís Pais Bernardo, descreve a evolução da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID) nos últimos vinte anos e pretende ser um ponto de partida para reflexões sobre as transformações em curso e os desafios que se colocam para os atores da CID (agências de cooperação bilaterais e multilaterais, organizações da sociedade civil, setor privado empresarial, entre outros). Na primeira parte da série sobre “Inovação para o Desenvolvimento” destacamos em 3 artigos os argumentos principais do estudo, começando pelas transformações no contexto internacional em que a CID se insere.


O Mundo Multiplexo


Vivemos atualmente num mundo multiplexo. Na arena de relações internacionais (em que a CID se insere) participa um número cada vez maior (e mais diversificado) de atores: não apenas os tradicionais Estados soberanos, mas também instituições internacionais, empresas multinacionais, organizações não-governamentais, movimentos transnacionais, entre outros. Esta multiplicidade de atores, vindos de centros de poder em várias geografias, enfrenta desafios cada vez mais complexos: pandemias, migrações, crises financeiras, alterações climáticas. Embora não sejam necessariamente novos, os desafios atuais são mais complexos porque são multidimensionais, imprevisíveis, transcendem fronteiras e não podem ser resolvidos à escala nacional. São problemas cada vez mais evidentes e urgentes.


A realidade em que hoje vivemos é muito diferente daquela em que a CID emerge em 1945 (no final da Segunda Guerra Mundial) e daquela em que se consolida após a queda do Muro de Berlim (1989). Os princípios e pilares que têm sustentado a CID (multilateralismo, democracia liberal, capitalismo liberal, papel do Estado e da Sociedade Civil) começam a ceder sob a pressão dos acontecimentos que levam à crise de governação global hoje evidente em episódios como a retirada dos Estados Unidos da América da Organização Mundial da Saúde em 2020, em plena crise pandémica global.


É de realçar que a pandemia de Covid-19 representou um momento crítico para a CID e para os seus atores, acelerou tendências e desafios, reforçando a urgência de 1) assegurar recursos financeiros em cenários de crise, 2) cumprir as promessas já antigas de localização da ajuda e 3) mostrar capacidade de inovação.



Complexidade, fragmentação e fragilidade


Um mundo multiplexo é, além de múltiplo e complexo, fragmentado e frágil. A reflexão para encontrar possíveis caminhos de ação precisa então considerar a complexidade, fragmentação e fragilidade do futuro do desenvolvimento global. A incerteza e os problemas de desenvolvimento global transversais a todos os países destacam uma dimensão imprevisível do desenvolvimento que se soma a proliferação de atores públicos e privados que reivindicam legitimidade para agir.


Nesse contexto de transformação, os atores tradicionais da CID enfrentam riscos e incertezas, e é preciso que repensem sua atuação na cooperação para o desenvolvimento. O papel da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD), o principal instrumento de ajuda oficial oferecido pelos doadores tradicionais da OCDE-CAD desde os anos 1960, e dos atores tradicionais da CID tem sido desafiado ao nível de três dimensões: quantidade, qualidade e legitimidade. A APD não só já não é o fluxo financeiro mais importante entre países mais ricos e países mais pobres, é também continuamente questionada quanto à sua eficácia na luta contra a pobreza e na promoção do desenvolvimento. O conjunto de transformações que tornam a arena internacional num mundo multiplexo e, sobretudo, o surgimento e a afirmação de novos atores na CID questionam também o lugar dos doadores da OCDE-CAD.



O futuro da CID: adaptação e inovação


O futuro da CID depende também da resposta que será dada pelos atores tradicionais às transformações e desafios de um mundo multiplexo. O que fazer diante da complexidade do desenvolvimento global? Qual o papel dos atores tradicionais da CID na construção da mudança? As respostas a essas questões estão sobretudo na adaptação e inovação. Na complexidade do mundo multiplexo há incertezas, mas também há espaço para um potencial transformativo se os atores da CID forem capazes de compreender suas prioridades diante de seus contextos.


É preciso, portanto, olhar para a CID atual através da lente da complexidade (Tabela 1), de forma a construir uma nova arquitetura que permita aos diversos atores:

  • olhar para sistemas e problemas de forma aberta, dinâmica e não-linear;
  • ter em conta a agência de indivíduos e grupos;
  • não olhar apenas para relações sociais formais;
  • ter presente a relação complexa entre causa e efeito, bem como a importância dos efeitos qualitativos na mudança social.
Tabela 1 – Fonte: Ramalingam (2013: 142), tradução e adaptação própria.


O estudo “O Futuro da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento: fragmentação, adaptação e inovação em um mundo em mudança”, realizado pela Oficina Global/CEsA a pedido da Plataforma Portuguesa das ONGD, foi publicado em março de 2021 e está disponível para download aqui. No segundo artigo desta série vamos olhar para o papel do setor privado na CID do mundo multiplexo.

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