COVID-19Igualdade de GéneroMulher em manifestação pacífica

“O coronavírus não é cego às questões de gênero, e nós também não deveríamos ser” (“The coronavirus is not gender-blind, nor should we be”). Foi esse o título da reflexão que Caren Grown e Carolina Sánchez-Páramo escreveram para o Banco Mundial em abril de 2020, quando as previsões e cálculos dos efeitos da pandemia recém saíam do forno. Quase um ano depois, o mesmo convite à reflexão se faz ainda mais urgente.  

 

 O Dia Internacional da Mulher, ou 8 de março, não é exatamente uma data comemorativa. De sabor agridoce – quase sempre mais ácido do que doce -, o marco histórico representa o quanto a luta pelos direitos das mulheres avançou ao longo do tempo e, sobretudo, o quanto essa luta ainda se faz necessária e como ainda estamos distantes de um mundo igualitário. O contexto desse 8M é especialmente alarmante: a pandemia da covid-19 escancarou a multidimensionalidade das desigualdades no mundo todo, principalmente quando as analisamos pelas lentes de gênero, e fez da concretização do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 5 (ODS 5) algo como uma miragem, uma ilusão no horizonte distante. 

 

previsão feita pelo Banco Mundial de que as desigualdades de gênero aumentariam durante e após a pandemia, assim como os ganhos obtidos para as mulheres no passado recente em termos de acumulação de capital humano, empoderamento econômico, e voz e agência sofreriam retrocessos, está a se concretizar. O que não é exatamente uma surpresa, considerando que décadas de investigação feminista indicam que o impacto das crises nunca é neutro em termos de gênero.  

 

Isso porque, apesar de o vírus afetar todos os membros da sociedade, aqueles que já se encontravam em situações precarizadas ou menos assistidas pelas instituições governamentais e sociais estão mais vulneráveis em termos de acesso à saúde e direitos trabalhistas. E este é o caso das mulheres. Das mulheres que são maioria nos setores domésticos, do cuidado não-remunerado e da saúde, das mulheres que trabalham nos setores informais, das mulheres migrantes e refugiadas, mulheres idosas, mulheres em lares monoparentais, mulheres periféricas, mulheres negras e indígenas, mulheres que moram com agressores, mulheres em zonas de conflito, mulheres. 

 

Em números: cerca de 740 milhões delas trabalham no setor informal, carecendo de garantias que as auxiliem durante momentos de crise como o que vivemos hoje. Segundo a ILO, em países de rendimento médio-baixo e baixo, a percentagem de mulheres nesse setor é de 90%. Estima-se que seu rendimento tenha reduzido em 60 por cento no primeiro mês da pandemia. Ademais, a ONU aponta que a feminização de alguns cargos, sobretudo profissões relacionadas ao trabalho doméstico e ao cuidado, também faz com que as mulheres estejam mais à mercê, pois são alguns dos setores que mais sofreram com a pandemia e que possuem maior risco de contaminação por lidarem diretamente durante prolongados períodos de tempo com outras pessoas.

 

 Mulheres compõem até 70% dos profissionais de saúde e de assistência social de maneira que são parte substancial dos profissionais da linha de frente. Apesar disso, muitas vezes não possuem equipamento de proteção adequado, pois estes são fabricados com base em proporções masculinas. Tal fato somado ao estresse emocional e aos longos turnos de trabalho torna essas profissionais mais suscetíveis à contaminação . De acordo com estudo feito pela ONU Mulheres, as profissionais de saúde possuem risco até 3 vezes maior de infecção em comparação com os homens que exercem o mesmo cargo. 

 

O ODS 5 refere-se à busca pela igualdade de género e ao empoderamento de mulheres e meninas. Apesar do lento progresso, foram observados certos avanços em termos de representação política, acesso a cargos de liderança e acesso à educação ao longo das últimas décadas, por exemplo. No entanto, um dos pilares fundamentais para o alcance do Objetivo é a erradicação da violência de gênero e a pandemia do COVID-19 tem sido fatídica neste sentido. A ONU Mulheres estima que 243 milhões de mulheres entre 15 e 49 anos sofreram violência, física ou sexual, de um parceiro íntimo no ano de 2019. Já em 2020 e 2021, as restrições de movimento, os espaços públicos desertos, as condições de habitação apertada e isolamento com abusadores, as preocupações com segurança, estabilidade financeira e saúde, foram todas condicionantes impulsionadas pela pandemia que exacerbaram de forma exponencial os casos de violência doméstica, por exemplo. E ainda há de se considerar que estas mesmas condicionantes podem levar à subnotificação dos números. Não à toa o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, fez apelo para a adoção de medidas urgentes para lidar com o “horrível aumento global de violência doméstica”.   

 

Como bem ponderou a Rede Europeia de Mulheres Migrantes, “alguns dizem que nós retornaremos ao normal quando essa crise acabar, mas para muitas de nós – se não a maioria – não havia normal para começar”. Ainda que não tenha tido vez neste texto, a dose de otimismo se faz aqui: “agora é o momento para nos questionarmos sobre como esse normal deveria ser, a partir de uma perspectiva feminista global.” Que este 8M seja, portanto, um ponto de inflexão para estabelecermos a garantia dos direitos das trabalhadoras do cuidado e da saúde, para criarmos mecanismos eficazes de combate à violência contra a mulher e erradicação do machismo estrutural e para apoiarmos projetos e iniciativas feministas os quais buscam a valorização da mulher e de seu trabalho

 

 

Ps.: No evento de lançamento da versão em língua portuguesa do livro “Onde Começa a Mudança”, o autor e consultor da OXFAM Duncan Green apresentou algumas reflexões sobre o assunto, assim como suas perspectivas de como podemos desencadear as transformações sociais necessárias ao nosso tempo e conjuntura. Fica por dentro da discussão aqui e faz o download gratuito na íntegra do livro aqui.  

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