Clima e Meio AmbienteGovernação Global

Créditos da imagem: IRENA via Flickr.


Esta COP não assumiu nenhum compromisso claro para a descarbonização e o fim das catástrofes climáticas que causam perdas e danos 


Quando se publicou o acordo final da COP27, as poderosas palavras do “Guerreiro do Clima do Pacífico” Joseph Sikulu ecoaram na minha mente. 


“Hoje vestimos preto não apenas como uma representação da nossa luta para conseguir a eliminação dos combustíveis fósseis no texto, mas porque de onde viemos só vestimos preto quando estamos de luto”, disse Sikulu numa conferência de imprensa no início da semana. 


Numa referência à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC), assinada há 30 anos, Sikulu prosseguiu: “Hoje estamos de luto por um processo que nos está a falhar, um processo que continua a estagnar e a falhar ao nosso povo, um processo que continua a ser árduo e que não tem em conta as nossas realidades. Estamos aqui para lamentar a UNFCCC neste processo COP porque está a falhar tudo o que somos.” 


Ao ler o acordo final da COP27, todos deveríamos estar de luto. A COP27 pode ter-se comprometido com um fundo de perdas e danos para compensar os países mais prejudicados por uma emergência climática que eles não criaram, mas também se comprometeu a um caminho de devastação. Este caminho significará perda de vidas, meios de subsistência, culturas e espécies. Poderá acabar com nações insulares e transformar terras agrícolas em deserto. 


O financiamento de perdas e danos é uma vitória, mas sem um compromisso claro de descarbonização e redução de emissões, é um fracasso porque não há forma de parar as catástrofes climáticas que causam perdas e danos. Há também muita ambiguidade em relação ao fundo, que não delineia um processo de financiamento nem especifica quem vai pagar e quem será elegível para receber o dinheiro, e muito menos define “perdas e danos”. É evidente que há trabalho a fazer. 


E como os maiores emissores mundiais já a não pagam o Fundo Verde do Clima (FVC) – criado no âmbito do quadro da UNFCCC para ajudar os países mais pobres a adaptarem-se e a mitigarem os efeitos climáticos – acreditaremos num fundo de perdas e danos quando o virmos. Em setembro, verificou-se que o Reino Unido tinha falhado o prazo para fornecer 288 milhões de dólares ao FVC, e não pagou os 20,6 milhões de dólares que tinha prometido separadamente ao fundo de adaptação


O Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas deu-nos avisos claros e consistentes: as emissões devem atingir o seu pico dentro de um prazo de apenas três anos se queremos evitar que o aquecimento global ultrapasse o nível de 1,5ºC que destruiria habitats e levaria a mais catástrofes climáticas extremas. Isto dá-nos apenas 25 meses para reduzir as emissões. A COP27 comprometeu-se a isso, com os líderes mundiais, incluindo o Presidente Biden, a comprometerem-se a manter os 1,5ºC. Mas as palavras não têm sentido sem ação direcionada, o que claramente não está a acontecer. 


As COP anuais começaram em Berlim em 1995 e, desde então, assistimos a aumentos anuais regulares das emissões de carbono (com exceção de uma pequena queda durante a pandemia), bem como um aumento das catástrofes relacionadas com o clima. Em Glasgow, no ano passado, uma mudança de última hora no documento para “reduzir gradualmente” em vez de “eliminar gradualmente” o carvão, alegadamente, levou o presidente da COP26, Alok Sharma, à beira das lágrimas. Esta importante nuance não foi revisitada no Egito, e os esforços liderados pela Índia para criar um novo compromisso para reduzir gradualmente todos os combustíveis fósseis – não apenas o carvão, o mais poluente – prolongaram as negociações, mas acabaram por falhar. 


Esta era para ser a COP da implementação, mas tem sido apenas mais um de “bla, bla, bla”. Estas negociações são atualmente o único mecanismo disponível para fazer face à maior crise da história da humanidade. Temos de repensar radicalmente a forma como conseguir a mudança, responsabilizar os países por não cumprirem as suas promessas e garantir que estamos verdadeiramente a progredir para um futuro zero líquido. Em suma, a COP precisa de transitar das palavras para a ação. 


Desde Glasgow, a força da emergência climática tem sido sentida em todo o mundo, seja nas inundações que devastaram um terço do Paquistão, na seca em curso no Corno de África, ou na primeira vez que uma temperatura de 40°C foi registada no Reino Unido. É claro que vivemos num estado de emergência, mas quanto do mundo precisa estar debaixo de água até que sejam tomadas medidas decisivas? 

Uma negociadora afirmou que a Arábia Saudita parecia gostar de ser o “mau da fita” porque beneficia os seus investidores de combustíveis fósseis. 


De facto, a COP parece ter sido sequestrada por lobistas de combustíveis fósseis. Uma negociadora que conheci a sair do local afirmou que a Arábia Saudita parecia gostar de ser o “mau da fita” nestas negociações porque beneficia os seus investidores de combustíveis fósseis. Foi uma recordação arrepiante de como um país com um sector petrolífero significativo pode efetivamente comprometer os progressos. 


A negociadora com quem falei estava a caminho de casa. À medida que as conversações iam para as horas extraordinárias, ela destacou a realidade da divisão entre nações ricas e pobres. Os mais pobres, disse, estão excluídos das conclusões de uma cimeira se esta se prolonga porque não é fácil nem barato remarcar os voos para casa. Esta COP foi alargada por 40 horas, reduzindo a diversidade de negociadores de todo o mundo, bem como os delegados presentes e o escrutínio da imprensa. 


Na COP27, pode não ter havido muita ação nas salas de negociação, mas durante as duas semanas, o local foi preenchido de ação climática. A ação veio dos delegados que vieram de todo o mundo para Sharm el-Sheikh para tentar fazer ouvir as suas vozes. Desde a mulher do Senegal a pedir eletricidade renovável ao chefe amazónico a dizer ao mundo o aumento das temperaturas que a sua comunidade enfrenta, a ação estava em todo o lado. 


O mantra dos Guerreiros do Clima do Pacífico é: “Não estamos a afogar-nos, estamos a lutar”. É uma mensagem de possibilidade perante uma potencial tragédia. À medida que começamos a caminho da COP28 no Dubai, é importante recordar essas palavras e trabalhar em conjunto para lutar por uma ação mais rápida em matéria de emergência climática.


Este artigo foi publicado originalmente pelo blogue OpenDemocracy. Leia o artigo em inglês aqui. A tradução é da responsabilidade da Oficina Global.

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