Ajuda Humanitária

Créditos da imagem: Samuel Ochai/European Union via Flickr.


“Estou aqui para soar o alarme: o mundo deve acordar.” 

 “Estamos à beira de um abismo – e nos movendo na direção errada.” 


O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, fez esse alerta à Assembleia Geral da ONU em setembro de 2021. A ALNAP (Active Learning Network for Accountability and Performance in Humanitarian Action), uma rede global de agências humanitárias, publica seu principal relatório, O Estado do Sistema Humanitário (The State of the Humanitarian System), e as conclusões fornecem evidências abrangentes para corroborar com esse alerta. 


O relatório “O Estado do Sistema Humanitário” é a base de evidências mais antiga sobre o desempenho do sistema humanitário. Reunindo 4 anos de análise e dados, o relatório apresenta o que sabemos sobre onde o setor humanitário está progredindo e onde não está. 


Os desafios enfrentados pelos trabalhadores humanitários são significativos e devem aumentar. 


Aqui estão algumas das principais tendências nos últimos quatro anos: 


A demanda por assistência humanitária aumentou significativamente. Isso deve-se a quatro motivos principais: 


1. conflitos e COVID-19 (o número de conflitos mais que dobrou na década até 2020); 


2. o aumento da fome como um desafio específico, particularmente em contextos de conflito – o número de pessoas que enfrentam insegurança alimentar aguda aumentou em um terço nos últimos quatro anos; 


3. as crises tornaram-se mais prolongadas na ausência de liderança política – Iêmen e Síria foram os dois maiores destinatários durante todo o período do estudo, recebendo entre um terço e um quinto de toda ajuda humanitária internacional a cada ano; e 


4. o sistema humanitário aumentou o número de pessoas que tenta alcançar e os tipos de serviços que oferece. O número de pessoas reconhecidas pela ONU como necessitando de assistência humanitária cresceu 87%, de uma estimativa de 135,8 milhões de pessoas em 2018 para 255,1 milhões de pessoas em 2021. 


O sistema humanitário internacional expandiu-se para atender a essa demanda. O sistema, em termos de quantidade de dinheiro e número de organizações e funcionários no terreno, é maior do que nunca. A ajuda humanitária internacional (AHI) atingiu cerca de US$ 31,3 mil milhões/bilhões em 2021, quase dobrando na última década. O número de funcionários humanitários que trabalham em contextos de crise aumentou 40% desde 2013, para cerca de 632.000 pessoas, 90% das quais eram nacionais dos países em que trabalhavam. 


À medida que a demanda por ajuda humanitária aumentou, as organizações humanitárias enfrentaram resistência dos Estados e o apoio internacional às normas humanitárias diminuiu, tornando mais difícil alcançar os mais necessitados. O aprofundamento das tensões entre a Rússia, a China e o Ocidente afetou a capacidade do sistema multilateral de lidar com as mudanças climáticas, resolver conflitos e defender o direito internacional. As normas democráticas foram corroídas pelas ações de vários governos e grupos armados em todo o mundo, que desrespeitaram os direitos humanos de seus cidadãos e prejudicaram a resposta humanitária. 


Os ataques a trabalhadores humanitários aumentaram 54% entre 2017 e 2020; com funcionários nacionais representando 95% das vítimas desses ataques em 2020. 


Os recursos e esforços estão fortemente concentrados em um grupo muito pequeno de doadores, agências e países. Quase metade do IHA vem dos cinco principais governos doadores e, em 2021, 31% vieram apenas dos EUA, tornando esse apoio vulnerável a mudanças no governo ou na política externa. Quase metade da AHI vai para três agências da ONU (PAM, ACNUR e UNICEF; muito disso é repassado para outras agências). Enquanto isso, apesar dos compromissos assumidos para apoiar a localização no World Humanitarian Summit em 2016, a proporção de financiamento para atores locais e nacionais caiu de 3,3% em 2018 para 1,2% em 2021. 


Onde há dados disponíveis, podemos ver que a ajuda humanitária geralmente é eficaz para alcançar resultados positivos para pessoas em crise; os programas de transferência de rendimento e os setores de segurança alimentar e nutrição fornecem boas evidências para isso. No entanto, em muitas crises, enquanto as pessoas achavam o apoio fornecido útil, a lacuna entre o que o sistema oferecia e o que as pessoas realmente queriam parecia aumentar. À medida que mais pessoas experimentam crises prolongadas com necessidades de longo prazo, os beneficiários de ajuda no Iêmen, RDC, Bangladesh e Venezuela disseram que a ajuda repetidamente de curto prazo era menos relevante para eles. 


Além de usar os critérios existentes para avaliar o desempenho do sistema humanitário, perguntamos às populações afetadas o que elas queriam medir. 


Os destinatários da ajuda disseram-nos que o sistema humanitário deve ser avaliado segundo se a ajuda vai para as “pessoas certas” e quanta voz elas têm nas decisões que as afetam. As decisões sobre quem recebe ajuda permanecem obscuras para as pessoas em crise e, em vários contextos, o princípio humanitário tradicional de fornecer ajuda apenas aos “mais necessitados” é contrário às práticas culturais de compartilhamento de recursos entre uma família ou comunidade. 


Há muito mais no relatório; sobre as opiniões das pessoas afetadas por crises, sobre o poder das respostas sociais e comunitárias e outras organizações fora do sistema formal, sobre ação antecipada e proteção e sobre o ritmo das mudanças para incentivar a localização, diversidade e igualdade. 


Para resumir, o relatório “O Estado do Sistema Humanitário” apresenta dois quadros: 


Um onde o trabalho do sistema humanitário global está sendo prejudicado por uma comunidade internacional fragmentada e dominada por conflitos, tornando cada vez mais difícil obter ajuda para aqueles que precisam. 


E outro de um sistema com modelos de financiamento e formas de trabalho estabelecidos há muito tempo, lutando para navegar pelas mudanças necessárias para se tornar mais ágil, mais localmente orientado e capaz de antecipar e se adaptar a um número crescente de desastres relacionados ao clima e crises prolongadas.  


Como o sistema humanitário pode continuar a alcançar todos aqueles que precisam de seu apoio em um mundo cada vez mais dividido; e como pode adaptar-se a novas crises em cascata de uma forma que proporcione dignidade e esperança para as pessoas que pretende servir? 


Na ALNAP, nosso objetivo é fornecer um espaço de aprendizado e reflexão dentro do setor humanitário e, nesse espírito, espero que este possa ser o início de uma conversa sobre o que os trabalhadores humanitários podem fazer para implementar as lições do relatório e ajudar a todos nós a dar um passo para longe da beira do abismo. 


O relatório está disponível para download aqui


Este artigo foi publicado originalmente pelo blogue From Poverty to Power. Leia o artigo em inglês aqui. A tradução é da responsabilidade da Oficina Global.

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