A Organização Mundial da Saúde decretou a Covid-19 como pandemia a 11 de março de 2020. As instituições internacionais cedo preconizaram que as mulheres seriam mais afetadas pela pandemia quando comparadas com os homens. O Banco Mundial, por exemplo, em abril de 2020, alertou para o facto desta pandemia não ser “cega” às questões de género – prevendo que o vírus teria um impacto mais negativo para as mulheres, uma vez que trabalham nos setores que seriam mais prejudicados pelas medidas de contenção.
Um artigo escrito neste blogue para assinalar o Dia da Mulher (8 de março) do ano passado procurou explicar o motivo pelo qual a Covid-19 representa um desafio para a igualdade de género. Resumidamente, a pandemia atingiu as mulheres de forma desproporcional uma vez que estas já estavam numa posição de maior vulnerabilidade no período pré-pandémico.
Olhando apenas para as questões económicas, a Organização Internacional do Trabalho refere que não só as taxas de desemprego são mais altas para as mulheres do que para os homens, como as mulheres tendem a ter trabalhos de menor qualidade e em condições mais vulneráveis. Isto pode ser traduzido em menor segurança em manter os seus postos de trabalho, bem como difícil acesso a serviços da segurança social.
Também é preciso lembrar a questão do trabalho doméstico, cuja distribuição é desigual entre homens e mulheres. Os confinamentos decretados como medida de combate à pandemia aumentaram exponencialmente o trabalho doméstico. Se antes da pandemia as mulheres já faziam mais horas diárias de trabalho doméstico não pago, os confinamentos e o fecho das escolas fizeram aumentar este número de forma dramática, segundo a Oxfam.
A necessidade do trabalho do cuidado, principalmente o não pago, também aumentou com o fecho de escolas, o confinamento da população mais idosa, bem como o crescente número de pessoas infetadas.
A OCDE reporta que no cuidado com as crianças as mães são três vezes mais propensas a assumir o trabalho quando comparadas com os pais. Na maioria das famílias, a mulher é a principal cuidadora, acumulando mais responsabilidades sobre tarefas domésticas e cuidados dos filhos, o que se traduziu em maiores encargos durante os períodos de confinamento. Em Portugal, as mulheres representaram 81% das pessoas que usaram o apoio excecional à família, abdicando de um terço do seu salário.
Por uma multiplicidade de vertentes, conseguiu-se prever que a pandemia seria mais fustigante para mulheres que os homens, e, contudo, pouco ou nada foi feito para mitigar os seus efeitos.
Decorridos dois anos, o mundo atravessa ainda uma recessão provocada pela pandemia e as mulheres são as que mais sentem os impactos provocados pela crise económica. Porque é que nada foi feito pelos governos para atenuar os efeitos da pandemia e da previsível crise económica e social subsequente nas mulheres?
Ainda que se tenha ouvido falar mais do trabalho do cuidado durante a pandemia de Covid-19, não foram criadas medidas reais para proteger quem faz este trabalho, na sua maioria mulheres. O valor do cuidado continua baixo porque, no sistema económico em que vivemos, o cuidado não é considerado como competência profissional, mas sim como atributo natural das mulheres.
Portanto, todo o reconhecimento que o trabalho do cuidado possa ter tido durante a pandemia pode ser visto, em certos prismas, como um retrocesso. Ariane Hegewisch, do Institute for Women’s Policy Research (IWPR) dos Estados Unidos da América teme que a pandemia tenha contribuído para se associar as mulheres com o cuidado “mais fortemente que antes”.
Por uma multiplicidade de vertentes, conseguiu-se prever que a pandemia seria mais fustigante para mulheres que os homens, e, contudo, pouco ou nada foi feito para mitigar os seus efeitos. Apelou-se ao aumento do número de mulheres em espaços de decisão quanto à prevenção a Covid-19, para um ano depois se estar a apelar ao mesmo, mas no caso da recuperação no pós-pandemia.
É essencial promover mais representação e liderança feminina, facilitando, deste modo, que sejam tomadas ações que respondam às necessidades específicas das mulheres. A nível político, continuam a existir dificuldades em integrar a perspetiva do género na resolução de problemas. Contudo, não podemos ignorar que as desigualdades de género não estão separadas das desigualdades económicas, como ficou visível aquando da pandemia de Covid-19.
Terá sido então a pandemia uma oportunidade desperdiçada ou ainda vamos a tempo de operar uma mudança? Enquanto cidadãos cabe-nos lutar por uma sociedade mais justa, sendo que a mudança acontece sempre que quebramos estereótipos ou discriminações de índole sexista. É facto assente que existe uma ligação entre a igualdade de género e crescimento económico, pelo que as questões de género não poderão ficar esquecidas na recuperação da economia após o fim da pandemia.