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A “Formação sobre Campanhas e Ativismo: Como Agir para Mudar o Mundo”, promovida pela Oficina Global, chegou ao fim e neste texto a participante e aluna do Mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional no ISEG, Jéssica Tavares, conta-nos os aprendizados e desafios do processo de elaboração e implementação de uma campanha.  


Participar na formação “Como Agir para Mudar o Mundo” foi importante para compreender e pôr em prática as ferramentas essenciais de uma campanha de ativismo. Na primeira fase teórica explorámos os principais conceitos, nomeadamente a advocacia enquanto promoção de causas. Também abordámos a análise do poder, estudámos as diferentes estratégias possíveis, como o lobbying para influenciar diretamente decisores políticos ou a mobilização através de marchas, greves ou boicotes, e ainda como ter uma comunicação clara, concisa, consistente e centrada no público-alvo.  


A segunda etapa da formação consistia no desenho da campanha “Benefícios fiscais para investimentos sustentáveis”, proposta pelos parceiros da formação GoParity e Casa do Impacto. Esta campanha tinha como objetivo principal que a Câmara Municipal de Lisboa aplicasse deduções de despesas no IRS a uma percentagem do valor do investimento de impacto realizado através de plataformas de crowdlending certificadas pela Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), para privilegiar e incentivar o financiamento para o desenvolvimento de uma economia mais verde e socialmente justa.


Eu escolhi esta campanha porque, tendo em conta a crise ambiental e social atual, que leva a que certas comunidades e regiões do mundo sofram mais do que outras, a falta de apoio a investimentos e projetos de impacto – ou seja, que estejam alinhados com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – faz com que estes problemas se tornem ainda mais perversos. Os investidores individuais e empresariais não têm incentivos fiscais para fazer este tipo de investimentos, uma vez que a carga fiscal sobre os rendimentos de um investimento sustentável será a mesma que no caso de um investimento não sustentável. Para além disso, os retornos financeiros a curto prazo são maiores no caso projetos não sustentáveis, o que os torna mais aliciantes no imediato. Assim, a probabilidade das empresas e indivíduos obterem financiamento para resolverem problemas ambientais e sociais será menor, dificultando a possibilidade das comunidades afetadas por estas questões conseguirem melhorar o seu nível de vida. 


A primeira fase do desenho da campanha foi analisar o contexto do problema, isto é, a falta de incentivos fiscais para investimentos de impacto em Portugal. Em segundo lugar, propusemos como solução que a Câmara Municipal de Lisboa aplicasse deduções de despesas no IRS através de mudanças nas políticas e leis vigentes. Em terceiro lugar, construímos o manifesto, que é o documento de referência da campanha, útil para sua a divulgação e que resume o problema abordado pela campanha, apresentando as evidências e a solução proposta, bem como o grupo-alvo beneficiário. 


Em quarto lugar, analisámos os intervenientes, os seus interesses, se seriam potenciais aliados ou opositores. Identificámos ainda os detentores de poder. A Câmara Municipal de Lisboa, como detentora de poder, tem como principais interesses definir e executar políticas que promovam o desenvolvimento do Concelho em diferentes áreas. Pode ser uma aliada ou opositora, dependendo da sua decisão positiva ou negativa quanto à redução de IRS proposta. A Casa do Impacto e a GoParity, enquanto empresas e indivíduos (tanto os que investem em projetos de impacto como os que recebem este tipo de financiamento), e a sociedade civil são ao mesmo tempo aliados e público-alvo da campanha (e não detentores de poder). 


Considero que os pontos fortes da segunda fase da formação “Como Agir para Mudar o Mundo” foram compreender, na prática, quais são os passos e ferramentas fundamentais para o desenho de uma campanha funcional, principalmente quando queremos resolver problemas difíceis num mundo extremamente complexo.


Tendo em conta a natureza da nossa campanha, a nossa principal estratégia seria o lobbying, porque é necessário pressionar e convencer diretamente, através de reuniões e de contactos influentes, a Câmara Municipal de Lisboa para mudar as leis fiscais. Para tal objetivo, tivemos de criar um plano de ação com diversas tarefas necessárias, que incluía comunicação com os diferentes atores, divulgação nas redes sociais e plataformas, bem como a criação e lançamento de uma petição, a monitorização da campanha e o seu orçamento. 


No entanto, a campanha acabou por não ser implementada devido a desafios enfrentados pelos parceiros durante o processo de definição das percentagens de dedução das despesas de IRS. Este era um aspeto fundamental, que poderia pôr em causa a legitimidade ou eficácia da campanha se não fosse definido corretamente. Outra barreira foi o lugar que os nossos parceiros ocupam enquanto intervenientes no contexto e o poder que (não) têm, uma vez que não têm muita influência junto da Câmara Municipal. Também se chegou à conclusão que a prioridade seria desenvolver, em primeiro lugar, uma campanha com um plano de ação a longo prazo para o estatuto de empresa social em Portugal, que atualmente não existe. 


Desta forma, considero que os pontos fortes da segunda fase da formação “Como Agir para Mudar o Mundo” foram compreender, na prática, quais são os passos e ferramentas fundamentais para o desenho de uma campanha funcional, principalmente quando queremos resolver problemas difíceis num mundo extremamente complexo, onde é muito fácil deixarmo-nos levar pela procrastinação ou pelas dificuldades em ultrapassar obstáculos como a fragmentação entre as pessoas, a falta de conhecimento, tempo ou recursos. Por outro lado, os pontos a melhorar seriam uma maior proximidade em termos de tempo entre as duas fases da formação (teórica e de desenho/implementação da campanha) e melhorar a definição dos objetivos propostos pela campanha, de forma a não pôr em causa a sua legitimidade ou realização.


Assim, é preciso aprendermos a “dançar com o sistema” (como Duncan Green refere no livro “Onde começa a mudança”) quando aparecem este tipo de dificuldades e compreender o contexto do problema, para conseguirmos encontrar soluções que alterem o paradigma atual de poder e interesses. 

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