Direitos Humanos

Imagem em destaque: Judit Bermúdez Morte via Flickr (CC BY-NC-ND 2.0)


Em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris. Desde então, celebra-se anualmente nesta data o “Dia Internacional dos Direitos Humanos”, cujo tema central em 2021 foi a “Redução das Desigualdades”.  Nas palavras do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, atualmente vivemos em uma “encruzilhada”, na qual a pandemia, a crise climática e a expansão das novas tecnologias ameaçam os direitos humanos. A dimensão dessas ameaças é desigual nas diferentes regiões do planeta e para as diferentes classes sociais, o que ficou evidente ao longo do período pandémico em que vivemos, no que diz respeito ao acesso às vacinas e até mesmo à concentração de riqueza para certos grupos.


A Oficina Global falou com Pedro Neto, diretor executivo da Amnistia Internacional de Portugal, para discutir sobre este tema. Confira o resultado da conversa:


OFICNIA GLOBAL: Quais impactos a pandemia de Covid-19 teve na forma como os direitos humanos são abordados nos dias atuais?


PEDRO: A pandemia trouxe um novo problema: o acesso à saúde foi posto em causa de forma exacerbada. Todos os outros problemas e impactos que a COVID-19 evidenciou, não foram questões novas, mas problemas já existentes e que ficaram muito evidentes.


O acesso à educação, para as crianças e jovens sem condições habitacionais e económicas que não tiveram bons equipamentos e, por isso, não tiveram acesso adequado à internet, é outro exemplo.


As pessoas com trabalhos que não puderam recorrer ao teletrabalho, estiveram invariavelmente mais expostas ao vírus. As pessoas sem uma habitação condigna, não tiveram as mesmas condições para cumprir os confinamentos e permanecerem em casa.


Já depois da vacina, a sua distribuição a nível mundial teve desequilíbrios importantes, isto é, os países que puderam comprar doses de vacinas, compraram. Alguns países como Israel pagaram mais para ter em primeiro e muitos países não conseguiram até hoje vacinar os seus habitantes.


A Amnistia Internacional – bem como outras organizações – apelaram a que por uma vez as patentes das vacinas fossem doadas à OMS e se pudessem produzir mais vacinas em todo o mundo. Mas as grandes farmacêuticas a par de vários governos não abdicaram desses rendimentos. Compreendo a importância das patentes e o retorno que elas dão, incentivando assim também ao desenvolvimento científico. No entanto, nesta pandemia todos deram tudo pois o mundo focou-se no que era o mais importante: vencer a pandemia. Mas na hora da vacinação, isso não aconteceu.


Se os direitos humanos valessem como dinheiro, acredito que o mundo seria muito melhor.


O vírus não conhece fronteiras. Uma pandemia não se resolve num país sem se resolver no país ao lado. Resolve-se quanto estiver resolvida em todos os países e em todo o mundo. Não tendo alguns governos percebido esta lógica, também os países mais vacinados estão agora a braços com novas variantes que vêm dos locais onde a pandemia está mais descontrolada e as pessoas foram menos vacinadas. Adia-se assim tudo: a vida, a retoma económica, o acesso à saúde, bem como os restantes direitos económicos, sociais e culturais, sobretudo.


OFICINA GLOBAL: A seu ver, como o respeito, a proteção e a promoção dos direitos humanos afetam o desenvolvimento das sociedades aos níveis locais, regionais e nacionais? Como isso se reflete no cenário internacional? 


PEDRO: Se os direitos humanos valessem como dinheiro, acredito que o mundo seria muito melhor. Se houvesse penalizações fiscais para importações ou para empresas que cometem violações de direitos humanos, a própria competição económica seria bastante mais justa. Muitos produtos têm vantagem económica pela mão de obra quase escrava que os produz. Quem paga ordenados superiores, não consegue competir com isso. O abuso sobre um trabalhador seria penalizado fiscalmente e o mercado tender-se-ia a equilibrar-se.


Esta ideia tem pouco de novidade. Já se vai implementando a denominada fiscalidade verde que tem o mesmo princípio: incentivar a sustentabilidade; penalizar as indústrias poluidoras. Com muita brevidade e sem aprofundar o assunto, acredito que este seria o caminho para que a promoção e o respeito pelos direitos humanos fossem colocados como prioridade nos negócios nacionais e internacionais. A base de implementação deste conceito podia começar com os Princípios Guia para empresas e direitos humanos, um guia elaborado pelo relator especial das Nações Unidas para os negócios e direitos humanos e que foram aprovados por unanimidade e consenso pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2011. Sendo princípios guia, não são obrigatórios, mas penso que a sua implementação mudaria todo o jogo da economia mundial.


Pois, muitas vezes, observamos precisamente o contrário: governos e líderes políticos para fazer crescer o seu domínio, controlo e poder sobre os cidadãos e os territórios, colocam em causa os direitos civis e políticos. Outras vezes, observamos como as forças motrizes da economia ainda são insustentáveis e, por isso, autodestrutivas a curto e medio prazo.


Creio que nos próximos anos a humanidade vai protagonizar mudanças significativas e históricas, onde mudaremos os paradigmas políticos, sociais e económicos.


OFICINA GLOBAL: Como é a atuação da Amnistia Internacional em defesa dos direitos humanos em Portugal?


PEDRO: A Amnistia Internacional trabalha esforçadamente na defesa dos direitos humanos, em Portugal e no mundo. Tudo parte da monitorização dos direitos humanos em Portugal, com acompanhamento de outras ONG, com reuniões permanentes com decisores políticos, com a presença no terreno.


A partir daí, desenvolvimentos trabalho de advocacy, campanhas e ativismo que apostam no envolvimento público para reforçar a capacidade de influenciar quem toma decisões para que promova políticas que favoreçam e implementem os direitos humanos em Portugal, ou que em trabalho reativo, corrijam situações de abusos ou violações de direitos humanos no país cometidas pelo Estado, por ação ou omissão.


Há uma componente muito importante e significativa do nosso trabalho que é o âmbito geográfico. Como o nome da organização indica, trabalhamos em Portugal para a mudança em direitos humanos acontecer em todo o mundo e, nesse âmbito, os nossos interlocutores são também as representações diplomáticas de outros países em Portugal ou na União Europeia, exigindo também aí ao nosso governo um papel de liderança na transformação do mundo com respeito pelos tratados internacionais de direitos humanos ratificados em sede das Nações Unidas. Aquilo que pedimos aos países – Portugal e todos – é que cumpram as obrigações de direitos humanos com que se comprometeram e a que deram força em forma de lei, seja nacional, seja internacional.


A pobreza, as alterações climáticas e a sustentabilidade dos recursos do planeta, a discriminação, o tráfico de seres humanos, o direito à saúde, a privacidade online e a Justiça são os desafios maiores que temos atualmente no mundo e pedem soluções concretas e coragem para as implementar, não só a nível local ou regional, mas também global.


OFICINA GLOBAL: No Dia Internacional dos Direitos Humanos de 2020, um dos aspectos trazidos pela ONU sobre o avanço dos direitos humanos é a ideia de “reconstruir melhor, de forma mais justa e mais sustentável”. Na sua opinião, como o mais recente acordo da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26) contribui para fazer avançar o direito humano a um ambiente saudável e à justiça climática?


PEDRO: A COP 26 deixou muito a desejar no que diz respeito a esta questão. Os países mais pobres e que triste e ironicamente sofrem mais com as alterações climáticas, são também aqueles que menos poluíram e poluem. Faltaram medidas mais concretas do que declarações de disponibilidade de milhões para compensar quem está a sofrer. Faltaram medidas para a comunidade internacional perceber que esta questão não é resolvida apenas se cada um cumprir a sua parte, mas apenas se todos cumprirmos e trabalharmos juntos.


Os países em desenvolvimento têm de ver alternativas às indústrias poluidoras para continuarem a crescer economicamente. E aos países industrializados não lhes basta diminuir as emissões e depois importar produtos que foram feitos através de mecanismos poluentes.


Necessitamos com urgência de cumprir todos as metas desejáveis e de ajudar aqueles que já sofrem as consequências das alterações climáticas. Necessitamos com urgência de alternativas energéticas e económicas que sejam verdadeiramente não poluentes e sustentáveis. Só nesse paradigma poderemos – e poderão os direitos humanos – ter futuro.


OFICINA GLOBAL: Por último, se você pudesse deixar uma reflexão referente ao Dia Internacional dos Direitos Humanos de 2021, qual seria?


PEDRO: Passaram 73 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Uma declaração escrita por pessoas provenientes de todos os continentes do mundo. A declaração é, de facto, um texto lindíssimo e uma ideia de sociedade que é possível implementar, sem idealismos e bastante concreta.


Passados 73 anos muitos avanços já se fizeram, no entanto, nos últimos anos, alguns direitos têm recrudescido e novos desafios à humanidade se têm colocado.


É muito importante que surjam lideranças que saibam envolver a sociedade e uni-la neste desígnio que deve ser de todas as pessoas. A pobreza, as alterações climáticas e a sustentabilidade dos recursos do planeta, a discriminação, o tráfico de seres humanos, o direito à saúde, a privacidade online e a Justiça são os desafios maiores que temos atualmente no mundo e pedem soluções concretas e coragem para as implementar, não só a nível local ou regional, mas também global.

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