Agenda 2030Política Social

A última edição da revista Mundo Crítico, “Falar de desigualdades, falar de injustiças”, se concentrou nas diferentes dimensões da desigualdade para questionar a possibilidade de desenvolvimento sem que haja redução destas. Sobre esse tema, algumas reflexões são interessantes para pensar sobre a importância do combate às desigualdades. 


Um relatório publicado pela Oxfam em janeiro de 2020 aponta que o fosso entre os super-ricos e o restante da sociedade está a se tornar maior. Em 2019 os bilionários do mundo, que representam apenas 2.153 indivíduos, possuíam mais riqueza que 4,6 bilhões/mil milhões de pessoas, cerca de 60% da população mundial. Essa desigualdade econômica mostra que ainda coexistem extremos de riqueza e pobreza na sociedade atual, em que no topo da pirâmide da economia global uma pequena elite concentra uma riqueza que cresce exponencialmente enquanto na base dessa pirâmide milhões de pessoas vivem em situação de pobreza. Não se espera que os relatórios sobre o tema que serão publicados em 2021 contem uma história diferente. Pelo contrário, a pandemia de Covid-19 apenas contribuiu para acentuar este problemaconcentrando ainda mais a riqueza em bilionários como Jeff Bezos, dono da Amazon, a empresa que mais lucrou durante o último ano e que se viu envolvida em inúmeros escândalos relacionados com o tratamento desumano dos seus trabalhadores. 


A desigualdade ainda é um problema grave apesar de todos os esforços que vêm sendo feitos para combate-la, nomeadamente na busca pelo cumprimento do ODS 10 (Reduzir as desigualdades dentro e entre países). Há uma imensa concentração de renda/rendimento e riqueza, mas a desigualdade não se limita à esfera econômica e é preciso considerar as diferentes oportunidades de acesso entre ricos e pobres a serviços como saúde e educação. Por isso, desigualdade é considerada uma questão de injustiça. Na maioria das vezes os grupos marginalizados enfrentam desigualdades que se sobrepõem – há uma transversalidade nas desigualdades econômica, de gênero, raça e classe. Mais uma vez, a pandemia de Covid-19 veio trazer à tona muitas destas desigualdades (nomeadamente no acesso aos cuidados de saúde, à proteção social durante períodos de confinamento, ao impacto desmedido da pandemia nas mulheres e mais recentemente no acesso à vacina), acentuando e aumentando muitas delas. 


Assim, as desigualdades permeiam várias esferas da vida em sociedade e por isso tem um impacto significativo sobre o desenvolvimento, o que faz ser importante refletir sobre seus efeitos. O relatório da Oxfam mostrou que a desigualdade econômica está aumentando dentro e entre os países. Com a extrema concentração de riqueza por poucos indivíduos são acentuadas as desigualdades de acesso a condições básicas de vida (boa alimentação, saúde, moradia decente e educação) e, desta forma, o desenvolvimento dos países é comprometido. 


A percepção da desigualdade como um dos principais entraves ao desenvolvimento fez com que o empenho pela diminuição desta se tornasse mais forte. Isso pode ser observado no destaque dado ao compromisso pela superação das desigualdades na Agenda 2030. Além de um objetivo específico para redução da desigualdade (ODS 10), vários outros ODS trazem metas de combate à desigualdade em algum nível.  


Portanto, a construção de uma agenda de desenvolvimento centrada no planeta e nas pessoas precisou trazer a problemática da redução das desigualdades para o centro das discussões sobre como alcançar o desenvolvimento – como assinala Viriato Soromenho Marques, “o tempo é escasso para mudar o modo como habitamos a Terra. A forma como seremos ou não capazes de substituir a desigualdade pela solidariedade, ditará a diferença entre a salvação ou o colapso”. E, nesse contexto, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, em especial o ODS 10, introduzem a redução da desigualdade como uma meta global fundamental para alcançar o desenvolvimento e, com isso, ampliam o entendimento sobre o conceito de desenvolvimento.  


Como um dos aspectos da desigualdade perpassa por oportunidades de acesso diferentes, as questões referentes a igualdade de oportunidades se tornam centrais nas medidas de enfrentamento à desigualdade. Nesse sentido, ganha espaço a defesa de um desenvolvimento que seja justo e inclusivo. O termo inclusivo se refere a necessidade do crescimento econômico se aplicar a todos e tem como objetivo o aumento da qualidade de vida e maior equalização das oportunidades. Não basta ter crescimento econômico, é preciso que esse crescimento não opere no sentido de aumento das desigualdades. E, mais ainda, a ideia de um desenvolvimento inclusivo ultrapassa ações de combate à pobreza extrema. Não se trata apenas de garantir que os indivíduos tenham o que comer, mas de assegurar que tenham condições de vida digna e possam acessar oportunidades que lhes permitam desenvolver suas capacidades.  


Falar de desigualdades significa falar de injustiça, pelo menos numa das suas expressões, que é a impossibilidade de determinadas pessoas terem acesso a determinados recursos. Falamos não só de recursos económicos, mas também de recursos políticos, culturais, ambientais, etc.  

Ler as desigualdades como forma de múltiplas injustiças, Conversas Imperfeitas – Revista Mundo Crítico nº5, Outubro 2020 


Toda essa discussão evidencia a centralidade que a problemática da desigualdade tem para o desenvolvimento. A redução das desigualdades se mostrou essencial para alcançar um desenvolvimento satisfatório e inclusivo e essa importância fica evidente pelo fato de que a não diminuição das desigualdades impossibilita a concretização dos ODS. 


Diante disso, há dois pontos a serem destacados. A sinalização de que a desigualdade é um problema grave e que compromete o desenvolvimento indica um caminho de ação. É preciso pensar políticas públicas nacionais e internacionais que lidem com o problema de forma adequada. Por outro lado, como mostra o relatório da Oxfam, a desigualdade tem aumentado dentro e entre países, o que torna maior o desafio de cumprimento das metas do desenvolvimento sustentável. 


Deixamos aqui algumas sugestões de leitura para aprofundar a discussão sobre o combate à desigualdade, com exemplos de vários países da América Latina: 

– Panorama Social da América Latina – CEPAL  

– Os efeitos do programa Bolsa Família sobre a pobreza e a desigualdade – IPEA 

– Como os gastos sociais do México reduziram a pobreza e a desigualdade de renda – Valor Econômico 



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