Ativismo

Este artigo foi publicado originalmente pelo EADI Blog. Leia o artigo em inglês aqui. A tradução é da responsabilidade da Oficina Global. Créditos da imagem em destaque: Bram Naus via Unsplash.


O impacto da pesquisa/investigação tornou-se uma prioridade estratégica para muitos institutos de pesquisa em todo o mundo, com um foco crescente em “preencher a lacuna” entre a pesquisa e a sociedade e posicionar a pesquisa de forma a garantir que o conhecimento que esta produz possa contribuir para a mudança. Os pesquisadores/investigadores de desenvolvimento encontram-se frequentemente divididos entre dois mundos: o setor acadêmico, de um lado, e o setor de desenvolvimento, do outro. Mas existe um imperativo moral para que os pesquisadores de desenvolvimento façam a ponte entre esses dois mundos, agindo como agentes de advocacy no “mundo real”? Em caso afirmativo, qual a melhor forma de compartilharem conhecimento para que contribua para a solidariedade, a paz e a justiça social? 


Durante uma mesa redonda na recente conferência EADI ISS #Solidarity2021, os palestrantes compartilharam suas ideias a partir de uma série de perspectivas diferentes. 


Oito dicas para uma academia mais engajada 


Resumimos brevemente os principais pontos da discussão – aqui estão oito lições principais: 


1. Envolver-se desde o início 


A pesquisa sobre desenvolvimento pode ajudar ONG, formuladores de políticas e outros atores a obter uma compreensão contextualizada e multifacetada da dinâmica do desenvolvimento. Se os pesquisadores querem que o seu trabalho informe melhor programas e políticas, devem interagir com atores não acadêmicos desde o início e permitir-lhes ajudar a definir os objetivos, recomenda Adriano Nuvunga (Diretor Executivo do Centro para a Democracia e Desenvolvimento, Moçambique). Isso irá gerar interesse na pesquisa que pode melhorar a aceitação da mesma mais tarde. Também pode ajudar a mudar de modelos de pesquisa extrativa para abordagens baseadas no diálogo com atores locais em que os pesquisadores passam mais tempo com as comunidades e conversando com outras pessoas. 


2. Torná-la política 


A pesquisa geralmente não influencia a formulação de políticas, a menos que seja politizada. Se os pesquisadores querem que os formuladores de políticas se envolvam e usem suas pesquisas, precisam estar dispostos a torná-las políticas e a envolverem-se em debates políticos, diz Dirk-Jan Koch (Diretor de Ciência do Ministério de Relações Exteriores da Holanda e Professor por Nomeação Especial de Comércio Internacional e Cooperação para o Desenvolvimento na Radboud University). Os pesquisadores precisam entender o que se passa na mente dos formuladores de políticas. Disponibilizar tempo para usar regularmente as redes (sociais), escrevendo blogues ou artigos sobre pesquisas relevantes para os formuladores de políticas e certificar-se que alcançam as pessoas certas. Apesar da sensibilidade política, Dirk-Jan, por exemplo, escreveu um artigo sobre os efeitos colaterais não intencionais da cooperação para o desenvolvimento que se centrava em como a ajuda holandesa dada aos rebeldes sírios foi repassada às milícias islâmicas na Síria. 


3. Posicionar-se e ser propositadamente apaixonado e provocador 


Os pesquisadores buscam ser objetivos e neutros ao conduzir pesquisas, mas poderiam abraçar um pouco mais a ousadia e engajar-se no ativismo quando se trata de compartilhar suas pesquisas e defender mudanças nas políticas e na prática. Às vezes, simplesmente compartilhar informação não é suficiente. Os pesquisadores devem encontrar maneiras de apelar aos corações e mentes, por exemplo, por meio de histórias que tornem conhecida a relevância social da pesquisa. Ao ser “propositadamente apaixonada e provocativa”, a pesquisa pode chamar a atenção dos formuladores de políticas e pelo público em geral de forma mais ampla, observa Kristen Cheney (Professora Associada de Estudos de Crianças e Jovens do ISS). 


4. Divulgar a mensagem por toda a parte e junto com outras pessoas 


Em geral, espera-se que os pesquisadores pesquisem continuamente e compartilhem algo novo por meio de suas pesquisas. Como resultado, eles tendem a publicar em revistas acadêmicas e em outros lugares e rapidamente passar para o próximo projeto. No entanto, advocacy e mudança transformadora requerem o oposto – ou seja, o engajamento de longo prazo – já que essa mudança leva tempo. Se você deseja que sua pesquisa contribua para a mudança, provavelmente precisará repetir a mensagem várias vezes e para públicos diferentes. Encontre redes de pessoas com ideias semelhantes, pois isso pode ajudar a alcançar uma massa crítica de pessoas que apoiam uma causa específica e pode criar ímpeto suficiente para convencer os políticos a agirem. 


5. Cuidado com as políticas de produção de conhecimento 


O desenvolvimento como o conhecemos hoje está intimamente ligado à colonização europeia, deixando-nos com um sistema de formas dominantes de conhecimento e o monopólio de “conhecimento útil” e “conhecimento especializado” de instituições do “Norte Global”. Lata Narayanaswamy (Professora Associada de Políticas de Desenvolvimento Global, Universidade de Leeds) adverte que não devemos presumir que existe uma coisa tangível chamada conhecimento que é, por definição, valiosa para partilhar e que é preciso reconhecer que existem hierarquias de poder implícitas na forma como o conhecimento é produzido e partilhado. 


Uma consideração cuidadosa deve ser dada ao porquê, o quê e como compartilhar conhecimento. Por exemplo, em termos práticos, o que significa a posição hegemônica da língua inglesa e o uso generalizado da tecnologia digital em termos de inclusão e exclusão? Não apenas o compartilhamento de conhecimento deve estar ligado a objetivos de ação claros, mas também devemos pensar em como envolver os participantes da pesquisa como co-criadores, co-curadores e co-produtores de conhecimento. 


6. Ir além de uma única identidade 


As abordagens de pesquisa tradicionalmente isoladas, nas quais uma pessoa conduz pesquisas, outra comunica o conhecimento produzido e ainda é esperado que outra faça algo com ele, estão desatualizadas. A colaboração ciência-sociedade pode ser fortalecida se os pesquisadores começarem a usar chapéus diferentes e assumir vários papéis, por exemplo, combinando uma posição em um ministério e uma universidade (como Dirk-Jan faz), comunicando sobre suas pesquisas ao longo do processo ou se engajando em cidadania acadêmica digital. 


7. Tornar-se um cidadão acadêmico digital 


A cidadania acadêmica digital expande a perspectiva tradicional delineada acima e é uma forma de se engajar em advocacy nos dias atuais, comenta Tobias Denskus (Professor Associado em Estudos de Desenvolvimento na Universidade de Malmo). Exemplos podem ser encontrados no Twitter – que serve como um conector de ideias, comunidades e plataformas – onde os pesquisadores estão ativamente procurando e fazendo-se ouvir em certos debates: Dan Hicks (Professor de Arqueologia Contemporânea em Oxford), por exemplo, é frequentemente visto no debate sobre a cultura do cancelamento no Reino Unido, enquanto Laura Hammond (Professora de Estudos de Desenvolvimento da Universidade de Londres) tuíta sobre o impacto dos cortes de orçamento para pesquisa e seu relacionamento com parceiros no Sul Global. É importante ressaltar que o Twitter não é usado por eles apenas para defender suas próprias pesquisas ou organizações – eles também usam a plataforma para lançar luz sobre os desafios e restrições enfrentados pelos pesquisadores e sobre quem eles são e como trabalham para superar as injustiças sociais. 


8. Colaborar para maximizar o impacto 


Maximizar o impacto do conhecimento e das percepções de uma pesquisa requer um modus operandi diferente, talvez novo, daquele a que muitos pesquisadores estão acostumados. Pensar em advocacy e impacto como um processo linear com entradas e saídas não está alinhado com a realidade complexa do mundo de hoje e seus problemas “perversos”. Precisamos reconhecer essa complexidade e não simplificar demais ou subestimar o que é necessário. 


Os pesquisadores podem, mas não precisam fazer isso sozinhos. Frequentemente, os colegas que trabalham com a comunicação, aplicação e impacto da pesquisa estão prontos para trocar ideias e co-desenvolver estratégias e planos de adaptação para garantir que o conhecimento seja ouvido e aplicado. Não pense ou trabalhe de forma isolada. Procure colaborar, dentro e fora da sua organização. 


Olhar adiante


Voltando ao ponto de partida, uma questão crítica que permanece sem resposta neste artigo é se há um imperativo moral para os pesquisadores de desenvolvimento atuarem como agentes de advocacy. Afinal, era disso que tratava a mesa-redonda. A verdade é que não temos a resposta (ainda). Os palestrantes e participantes tocaram no assunto, trocando ideias sobre o sequenciamento da pesquisa e do advocacy e, mais fundamentalmente, a objetividade e a neutralidade das ciências sociais como um todo. Ficou claro que a mesa-redonda não teria tempo e espaço suficientes para responder a essa pergunta provocativa. Para realmente fazer justiça a este debate crítico, discussões mais aprofundadas precisam ocorrer. Mas fique tranquilo, o Grupo de Trabalho sobre Comunicação de Pesquisa da EADI está trabalhando nisso, portanto, fique ligado para obter mais informações! 


Sobre o Grupo de Trabalho sobre Comunicação de Pesquisa da EADI 


Este grupo de trabalho – composto principalmente de profissionais de comunicação e alguns acadêmicos – concentra-se na comunicação de pesquisa como uma parte vital para garantir que a pesquisa sobre desenvolvimento alcance e envolva outros atores sociais, como formuladores de políticas e profissionais, para que as recomendações e descobertas possam contribuir para a mudança. 


Este artigo faz parte de uma série lançada pela EADI (Associação Europeia de Pesquisa em Desenvolvimento e Instituto de Formação) e pelo Instituto de Estudos Sociais (ISS) sobre temas discutidos na Conferência Geral EADI / ISS de 2021 “Solidariedade, Paz e Justiça Social”. O artigo também está publicado no blogue do ISS. 

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