Agenda 2030Clima e Meio Ambiente

Este artigo foi publicado originalmente pelo OpenDemocracy. Leia artigo em inglês aqui. A tradução é da responsabilidade da Oficina Global. Créditos de imagem: Nathalia Segato via Unsplash . 


Brasil vota pela legalização da destruição da floresta Amazônica e do extermínio dos povos indígenas, última linha de defesa da floresta.


Não é apenas o povo brasileiro que sofrerá face o ataque coordenado de seu governo ao futuro da humanidade. Todos nós, em todo o mundo, devemos sofrer as consequências da tragédia que se desenrola diante de nós na Amazônia.


Você pode estar se perguntando: ‘Por que eu deveria me importar?’ Em um mundo de crises concorrentes, certamente é uma pergunta justa. Mas o futuro da floresta Amazônica deve ser uma prioridade – se a perdermos, perderemos nosso futuro.


O caso da legislação proposta e da demarcação de terras na mais alta corte do Brasil removeriam as leis que protegem a floresta Amazônica e muitas outras áreas ecologicamente sensíveis, e também teriam um efeito gravemente prejudicial aos direitos dos povos indígenas. O governo planeja abrir a Amazônia e outras áreas protegidas à mineração predatória, extração de madeira e agricultura.


Normalmente nos referimos à floresta Amazônica como o pulmão do planeta, mas é muito mais do que isso. Talvez seja melhor entender a Amazônia como os pulmões e os rins do planeta, filtrando o carbono e regulando as correntes de água. Se estendermos a metáfora, podemos dizer que os pulmões e os rins do planeta estão sendo atacados pelos patógenos da ganância, arrogância e indiferença, com implicações para outros órgãos vitais e para o próprio metabolismo da Terra.


Os povos indígenas no Brasil habitam e vivem em vastas áreas de terras ecologicamente protegidas. O governo planeja tirar suas terras e seus direitos, permitindo que as terras sejam exploradas por empresas predatórias.


O ataque legal e judicial coordenado tem sido referido como uma tentativa de “apagar os povos indígenas do mapa do Brasil ” e como uma “’ debandada’ de legislação que ameaça acelerar a destruição da Amazônia”. Infelizmente, não são exageros. A Assessora Especial das Nações Unidas para a Prevenção do Genocídio, Alice Wairimu Nderitu, também expressou preocupação com o que está acontecendo no Brasil.

Mais desmatamento empurrará a Amazônia além do ponto de inflexão.


Um projeto de lei que dá anistia aos grileiros em Terras Indígenas foi aprovado pela Câmara dos Deputados no início de agosto, após ser apoiado por 296 parlamentares a 136. Não há dúvida de que o projeto será aprovado pelo Senado, a Câmara Alta, e então sancionada pelo Presidente Jair Bolsonaro, que fez campanha nesta mesma plataforma.


Outro projeto de lei que ainda está em votação na Câmara anula o direito dos povos indígenas de serem consultados sobre o que acontece em seus territórios, bem como o direito de permanecerem isolados.


E hoje, o Supremo Tribunal Federal vai ouvir um caso histórico sobre a demarcação de territórios indígenas. A ação argumenta que os povos indígenas têm direito apenas às terras que ocuparam em 5 de outubro de 1988, quando a constituição do Brasil foi promulgada. Tenta apagar a história de expropriação, destituição e opressão de antes dessa data.


Todos esses ataques aos direitos dos povos indígenas violam a Constituição do Brasil, bem como a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.


Os povos indígenas no Brasil falam das leis que cancelam seus direitos e títulos de terra como “a legalização de seu extermínio” e como um “massacre civilizado”. Se eles perderem seus direitos às suas terras e o direito de serem consultados sobre o que acontece com suas terras, os presságios serão terríveis para a Amazônia. As consequências seriam, claro, globais.


Mais desmatamento empurrará a Amazônia além do ponto crítico, transformando-a de floresta tropical em savana ou pastagem. A Amazônia deixará de ser um sumidouro de carbono vital que nos ajuda a desacelerar as mudanças climáticas, em uma fonte de carbono perigosa que acelerará o aquecimento do planeta. Isso já está acontecendo em algumas partes da floresta.


Se o desmatamento da Amazônia continuar, veremos temperaturas mais extremas e incêndios florestais como os que atualmente ocorrem no Canadá, na Sibéria e no oeste dos Estados Unidos. Haverá mais inundações, como as vistas na Turquia, China e Alemanha, e mais secas levando à escassez de alimentos e água, como em Madagascar e na Etiópia. Haverá um aumento de eventos climáticos severos imprevisíveis, mais espécies serão extintas; a desigualdade crescerá, assim como a polarização e o conflito. Haverá mais pessoas deslocadas pela mudança climática em todo o mundo. Tudo será inevitável. Também enfrentaremos outro genocídio de povos indígenas.

Se os povos indígenas perderem seus direitos, perderemos grande parte da biodiversidade do planeta.


Os povos indígenas representam apenas 4% da população mundial, mas protegem 80% da biodiversidade mundial. A luta contra a crise climática – a luta contra a nossa própria extinção – depende da sobrevivência das terras de responsabilidade dos povos indígenas e da defesa de seus direitos de se relacionar, existir e cuidar dessas terras. Sem seus títulos de propriedade, sem seus direitos, eles não podem defender a terra ou sua biodiversidade.


A matemática é simples: se os povos indígenas perderem seus direitos, perderemos grande parte da biodiversidade do planeta. Se a floresta Amazônica desaparecer, isso levará a um aquecimento mais rápido do clima e severa perda de biodiversidade. Se a legislatura brasileira votar nesse sentido e sua Suprema Corte concordar com a ação histórica, um precedente perigoso terá sido aberto para outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, os povos indígenas temem que o projeto de lei HR1374 , aprovado pela Câmara dos Deputados em junho, possa criminalizar o ativismo social legítimo, incluindo protestos contra oleodutos e outras infraestruturas de combustível fóssil.


Infelizmente, os eventos recentes no Brasil não são encorajadores.


Em julho, Bolsonaro encorajou publicamente a violência armada por fazendeiros contra povos indígenas e negros. Uma fita que vazou, divulgada na mesma época, mostrava um funcionário da agência governamental responsável pelos assuntos indígenas (FUNAI), mandando as pessoas abrirem fogo contra grupos indígenas isolados na Amazônia.


O Presidente também recrutou alguns indivíduos e grupos indígenas para defender seu caso a favor do avanço econômico indígena e da ‘civilização’ por meio da conversão evangélica. Aqueles que usam esse argumento geralmente comparam os povos indígenas e seus costumes tradicionais a animais não inteligentes que bloqueiam o ‘progresso’ da nação brasileira. Muitos apoiadores do Bolsonaro defendem a desacreditada ‘Doutrina do Descobrimento’ para a dominação do Brasil por Portugal a partir de 1500 por motivos feudais, religiosos, raciais e etnocêntricos.

Em julho, Bolsonaro incentivou a violência armada de fazendeiros contra povos indígenas e negros.


Bolsonaro também disse: “É uma pena que a cavalaria brasileira não tenha sido tão eficiente quanto os americanos, que exterminaram seus índios”. Agora, ele está tentando terminar o trabalho legalmente e judicialmente. No entanto, é importante lembrar que seu mandato vem de poderosos lobistas, que representam interesses inescrupulosos de mineração e agronegócio locais e internacionais. Esses interesses têm representatividade significativa no legislativo brasileiro. O ataque legislativo à Amazônia e aos direitos das terras indígenas foi planejado anos antes de Bolsonaro e vai durar mais que ele.


Como os argumentos morais e humanitários parecem irrelevantes no contexto atual, outras medidas podem ter algum impacto? Em 5 de maio de 2021, uma carta aberta assinada por 40 fornecedores internacionais de alimentos e firmas de investimento alertou o governo brasileiro para um boicote internacional. Cadeias multinacionais, incluindo Tesco, Sainsbury, Asda, Aldi e Metro da Alemanha, pediram aos legisladores brasileiros que reconsiderassem o projeto de anistia aos grileiros, ou enfrentariam um boicote aos produtos agrícolas brasileiros, como carne e soja. Um boicote internacional poderia reforçar a posição de Bolsonaro em casa e fortalecer sua base. Dito isso, poderia fornecer a única alavanca internacional possível se o ecocídio e o genocídio acontecessem.


Chamadas internacionais para ‘salvar a Amazônia’ são um assunto controverso na América Latina. Todos os governos brasileiros têm rechaçado as exortações de governos estrangeiros e grupos internacionais da sociedade civil sobre o assunto. Bolsonaro armou essa resistência à pressão estrangeira e mobilizou apoio patriótico em defesa da soberania do Brasil. Ele usa a narrativa de que a Amazônia está sob ameaça de uma aquisição estrangeira e que é sua função salvá-la, abrindo-a para um uso econômico que possa beneficiar os brasileiros. Este é um movimento político inteligente no contexto da precária situação econômica e política do Brasil. Por isso, é de suma importância ouvir as vozes dos povos indígenas do Brasil que são diretamente afetados pelas mudanças propostas.


A Coalizão dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), denunciou Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional de Haia. Por meio de sua campanha educacional ‘ Último Aviso ‘, a Federação do Povo Indígena Huni Kui do Acre, na Amazônia brasileira, fez um apelo para que o mundo preste atenção ao ecocídio e ao genocídio. Os Huni Kui e outros guardiões da Amazônia estão colocando suas vidas em risco para defender a maior floresta tropical do mundo, bem como a chance da humanidade de ter um futuro. Eles estão arriscando suas vidas por todos nós. Tanto a APIB quanto a Federação Huni Kui enfatizam que se a comunidade internacional quer ajudar a proteger a Amazônia, é preciso salvaguardar os direitos e a vida dos povos indígenas – sua última linha de defesa.


Os Huni Kui acreditam que nossas responsabilidades planetárias exigem que interrompamos nossa indiferença coletiva. Para isso, precisamos dar testemunho das consequências de ideais insustentáveis ​​de ‘progresso e prosperidade’, baseados no hiperindividualismo e no consumo excessivo. Os Huni Kui destacam que esta pode ser a última chance da humanidade de se firmar e salvaguardar os povos indígenas e suas terras no Brasil e em outros lugares. Eles soaram o alarme, agora devemos acordar para enfrentar o que fizemos ao planeta e uns aos outros. Se o pior acontecer, este pode, literalmente, ser seu último aviso.



Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados *

Enviar