Agenda 2030Clima e Meio AmbientePesca ilegal ameaça cavalos-marinhos em Portugal

Pesca acessória, turismo de massa e mudanças climáticas. Os riscos são muitos para os cavalos-marinhos da Ria Formosa, mas o que mais tem preocupado os especialistas é a pesca ilegal. Localizada na zona ribeirinha de Olhão, na região do Algarve, a Ria é alvo de pescadores ilegais atraídos pelo alto valor de venda dos animais nos mercados asiáticos. Créditos da imagem em destaque: Deadrean via Pixabay.


A Ria Formosa é um dos ecossistemas lagunares mais importantes de Portugal e abriga uma grande variedade de espécies aquáticas. Entre mariscos, crustáceos, moluscos, peixes e plantas, a Ria já foi considerada o ecossistema com a maior densidade populacional de cavalos marinhos em todo o mundo. No entanto, em poucos anos, a população que já foi de mais de 2 milhões encontra-se reduzida a menos de 150 mil indivíduos. Como isto aconteceu? É possível reverter esse processo?


Um estudo da University of British Columbia, publicado em 2001, destacou a população de cavalos-marinhos da Ria Formosa como uma das maiores do planeta, com impacto e relevância ambiental que ultrapassavam as fronteiras nacionais. Anos depois, em 2018, um novo estudo, publicado pela revista Environmental Biology of Fishes, revelou uma diminuição de cerca de 90% dessa população. Os números são alarmantes, não apenas pelo risco de extinção da espécie na Ria, mas também pela velocidade em que esse processo vem ocorrendo.


Causas


As motivações econômicas são apontadas pelos especialistas como as principais responsáveis pela diminuição da quantidade de cavalos-marinhos em todo o mundo. A pesca por arrasto de vara, e o turismo de massa, por exemplo, provocam a remoção de algas do fundo das pradarias, o que dificulta a fixação dos animais e o sequestro de carbono dos ecossistemas aquáticos. Os indivíduos que não são apanhados ficam isolados, reduzindo a possibilidade de reprodução e reposição da população. Isto afeta não apenas a população atual, mas também a futura.


Além disso, o aumento da temperatura das águas em decorrência das alterações climáticas, modifica a flora e a fauna aquáticas, traz predadores e espécies vegetais invasoras. É verdade que algumas das características próprias do gênero Hippocampus, ao qual pertencem os cavalos-marinhos, os tornam vulneráveis: são peixes lentos, monogâmicos sazonais e muito dependentes do seu habitat. Porém, nada se compara aos danos causados pela ação humana direta, especialmente pela pesca ilegal.


Calcula-se que, anualmente, em torno de 70 milhões de cavalos-marinhos sejam capturados, vendidos e pulverizados para o uso na medicina tradicional chinesa, como tratamento de asma, disfunções sexuais, dor, entre outras enfermidades. O alto preço de venda desses animais nos mercados asiáticos – um quilo de cavalos-marinhos secos, cerca de 300 animais, chega a valer quatro mil euros – e o baixo custo de captura tornam esse comércio bastante rentável. Ademais, a diminuição das populações de cavalos-marinhos em todo o mundo, tende a gerar um aumento no valor de venda e, consequentemente, da pesca ilegal.


Preservação


Para o pesquisador da Universidade do Algarve, Miguel Correia, a falta de estudos aprofundados a respeito dos cavalos-marinhos da Ria Formosa dificulta o desenvolvimento de políticas de conservação. Além disso, a inação política também é apontada como um fator de agravamento do problema. Correia pontua que, apesar do alerta constante dos especialistas, as autoridades responsáveis demoraram a se mobilizar.


A pesca de cavalos-marinhos é ilegal em Portugal, mas a falta de fiscalização parece ser uma questão importante no caso da Ria Formosa. Apesar dos diversos relatos sobre captura de grandes quantidades de animais e de apreensões realizadas na região da Ria, nunca houve detenções. Por outro lado, diferentes instituições, organizações e centros de pesquisa portugueses vêm trabalhando em conjunto para produzir estudos e implementar ações de preservação e recuperação das populações de cavalos marinhos da Ria.


Este é o caso do Centro do Ramalhete, que estuda, desde 2007, a reprodução em cativeiro da espécie H. guttulatus, tendo sido a primeira instituição bem-sucedida nesta atividade, a nível internacional. O Ramalhete é um dos projetos do Centro de Ciências do Mar (CCMar/ Universidade do Algarve), que tem sido um dos agentes mais ativos na tentativa de preservar os cavalos-marinhos da Ria Formosa. Desde 2012, o CCMAr acompanha diretamente os animais por meio de monitorações mensais e censos populacionais.


Os dados coletados pelos pesquisadores da CCMar resultaram na produção de um parecer técnico, publicado em 2019, que apontou a urgência em implementar medidas de proteção e conservação das espécies de cavalos-marinhos da Ria. Este parecer embasou a criação de duas zonas de proteção no local, com uma área de 200.00 m2 cada, que servem como uma espécie de “maternidade” para os cavalos marinhos.


Desafios


Em todo o mundo, os desafios para a conservação dos cavalos marinhos parecem ser os mesmos: alteração do habitat natural, captura não intencional e comércio internacional com foco nos mercados asiáticos. Apesar dos esforços internacionais de conservação, os relatórios da CITES mostram que as exportações ilegais e não declaradas, principalmente de animais secos, continuam a acontecer em muitos países. Uma das causas é a facilidade de transportar os animais secos escondidos em outros tipos de carga, em navios, aviões ou por via terrestre, o que torna a fiscalização um grande desafio.


Além disso, muitos países não têm a capacidade administrativa necessária para implementar medidas de fiscalização e controle. Este é o caso de Portugal que, apesar de ser um dos 175 países signatários da CITES, não tem conseguido implementar os acordos propostos. O país não conta com uma rede de vigilância nos locais mais comuns de captura e ainda não há multas previstas para aqueles que são pegos realizando atividades de pesca ilegal na Ria Formosa.


O sistema lagunar da Rio Formosa é composto por 18 mil hectares de sapal, canais e ilhotas protegidas do Oceano Atlântico por ilhas-barreira arenosas. Foto: Helena S. via Flickr CC BY-NC-SA 2.0.


Algumas possibilidades


Para tanto, algumas medidas que poderiam ser tomadas para tentar amenizar a degradação biológica no local, de maneira mais geral, seriam:

  • Educação ambiental;
  • Regulamentação do ecoturismo no local;
  • Aumento das regulações jurídicas e maior fiscalização da pesca ilegal;
  • Criação de projetos de cooperação internacional com países que possuem experiência técnica com situações similares sobre preservação de fauna e flora marinha;
  • Maior fomento à investigação sobre o problema no local, facilitando o gerenciamento de dados para quantificar a perda de indivíduos das espécies, suas causas e consequências a curto, médio e longo prazo.


Atualmente, existe uma plataforma digital, a Sea Horse, na qual qualquer pessoa pode adicionar avistamentos (vivos ou mortos) e a sua localização, com ou sem fotografia. Esse recurso ajuda a mapear as presenças de espécies de cavalos-marinhos, que já foram, por exemplo, identificadas nos estuários do Sado e Tejo, no rio Arade e na Lagoa de Melides. Contudo, os dados recolhidos ainda são muito escassos, o que dificulta o combate à pesca ilegal das espécies em questão. Em adição, em regiões onde não há dados sobre sua existência, não é possível quantificar a perda de indivíduos por pesca acessória.


Face a um cenário de possível extinção, no qual não se obtém um desenvolvimento sustentável, as possíveis medidas aqui apontadas têm por objetivo garantir um fluxo sustentável de recursos e serviços ambientais, além de possibilitarem a resiliência dos ecossistemas locais, através de políticas mais eficientes de conservação da natureza e mais especificamente dessas espécies de cavalos-marinhos.


O combate à pesca ilegal é complexo, dado que ela afeta diversos ecossistemas marinhos, direta e indiretamente, e possui dimensões econômicas, sociais e culturais que requerem medidas particularmente eficazes em cada uma dessas áreas de afetação. Os cavalos-marinhos são animais extremamente importantes para os habitats marinhos costeiros e ecossistema marinho, e acabar com essas práticas ilegais significa preservar esses ambientes e suas espécies.



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