Cooperação para o DesenvolvimentoDescolonizar o Desenvolvimento

Na sexta sessão da edição de 2021 dos Development Studies Seminars, promovidos pelo CEsA/ISEG entre 25 de março e 13 de maio e realizados online, Stella Hong Zhang, candidata a PhD na George Mason University, discutiu a emergência e evolução da cooperação internacional para o desenvolvimento (CID) da China. Neste artigo, Ana Luiza Penna, mestranda em Desenvolvimento e Cooperação Internacional no ISEG, deixa-nos a suas impressões deste seminário online. Este e outros seminários do CEsA/ISEG podem ser revistos aqui. Créditos da foto: Bryan Hughes via Flickr (CC BY-NC-SA 2.0).


Um tema constantemente abordado quanto à cooperação internacional chinesa é a sua diferença em relação à ajuda feita pelos doadores tradicionais (CAD-OCDE) e que, portanto, o modelo chinês de cooperação seria misterioso.  Mas será isto verdade?  


Stella Zhang quis mostrar que a cooperação chinesa não é tão misteriosa se considerarmos a trajetória histórica do país ao longo do tempo. Ela apresenta duas perspetivas de análise da trajetória histórica da CID do país: a análise de política externa – que estuda as motivações nacionais para a promoção de cooperação – e a política económica – a qual destaca o quadro institucional doméstico como condicionante. Com base nestas duas abordagens, Zhang divide os 70 anos de história da cooperação da China em quatro fases, que variam na importância dada às motivações políticas e económicas.  


Enquanto a primeira fase (1950-1978) foi profundamente marcada pela disputa ideológica da China tanto com os EUA quanto com a URSS, o segundo e terceiro períodos (1978-2013, em conjunto) são caracterizados pela instrumentalização da cooperação na defesa da agenda chinesa de desenvolvimento económico. De facto, podemos perceber como a CID chinesa reflete seu contexto doméstico e as mudanças observadas ao longo do tempo. No período maoísta, era importante fortalecer laços com países em desenvolvimento, sobretudo os socialistas e comunistas, e contra o imperialismo de modo que a influência da ideologia do governo na seleção de parceiros torna-se evidente. Em contrapartida, com a ascensão de Deng Xiaoping em 1978, as motivações económicas adquirem maior relevância como um reflexo da mudança de direcionamento político-ideológico nacional.  


Destacamos aqui que esta modalidade diferente de cooperação realizada pela China era uma alternativa importante no contexto da Guerra Fria, sobretudo para os países não-alinhados. Zhang destaca como as parcerias foram importantes para o Estado chinês na época devido ao seu isolamento político, mas faz-se importante lembrar que os parceiros também se beneficiaram de uma opção menos intervencionista que as americana e soviética. 
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Ao falar da CID na atualidade, Zhang pontua que esta tornou-se uma forma de legitimar o novo papel internacional assumido pela China, enquanto grande potência, bem como de mostrar o sucesso do modelo político-económico chinês.


Ao falar da CID na atualidade, Zhang pontua que esta tornou-se uma forma de legitimar o novo papel internacional assumido pela China, enquanto grande potência, bem como de mostrar o sucesso do modelo político-económico chinês. Partilhamos da sua opinião de que, nesse momento, a mudança na perceção da China quanto à sua parte e atuação no sistema internacional influencia na sua cooperação internacional de modo a constituir uma mistura de posicionamento ideológico – na defesa e divulgação do sucesso chinês – e interesses económicos.  


Um ponto que tem sido bastante discutido recentemente quanto à cooperação internacional chinesa é o seu Livro Branco de 2021, o qual apresenta as diretrizes e princípios que guiarão a atuação e cooperação internacionais do país. Nele, dois tópicos que se destacam são a adoção do termo cooperação ao invés de ajuda externa – num movimento de distanciamento do modelo de cooperação tradicional – e o reforço da institucionalização da CID. Para exemplificar tal processo, podemos recorrer à criação da Agência Chinesa para Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CIDCA, em inglês), em 2018, com o objetivo de unificar a gestão da cooperação a nível nacional e intermediar a relação entre a China e seus parceiros. 


Assim, acreditamos que o estudo e debate acerca deste modelo alternativo bem como das lições aprendidas pela China a partir de suas experiências prévias sejam de suma importância. Isto porque observamos um contínuo crescimento e diversificação do papel e da presença chineses nas parcerias para o desenvolvimento na contemporaneidade. Este debate nos permite compreender a CID no presente e fazer projeções para o futuro da cooperação internacional não apenas do país, mas dos doadores do Sul como um todo. Compreender as causas e funcionamento de modelos que valorizam a parceria e o co-desenvolvimento de forma a subverter a relação unidirecional da tradicional cooperação Norte-Sul é também importante para que, como na Guerra Fria, tenhamos opções de cooperação para o desenvolvimento além do modelo das potências tradicionais e, mais ainda, para que possamos pensar no desenvolvimento que queremos. 


A palestra pode ser vista na íntegra aqui

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