Em 2020, a Oficina Global realizou dois workshops sobre a utilização da Teoria da Mudança na gestão de projetos de cooperação para o desenvolvimento. O primeiro teve lugar no ISEG, nos dias 27 e 28 de fevereiro. O segundo realizou-se nos dias 17 e 18 de novembro, na plataforma Microsoft Teams. Nos dois workshops participaram colaboradores de ONGD portuguesas, alunos do mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional do ISEG e investigadores. Foram duas experiências diferentes (a primeira em formato presencial e a segunda em formato virtual) e positivas. Hemma Tengler e Mariana Silvério refletem sobre a sua experiência em cada um dos workshops. Fiquem atentos à programação da Oficina Global, que podem encontrar aqui.
Mariana Silvério – Workshop de 17 e 18 de novembro
A tríade formada pelo ensino, a pesquisa e a extensão/prática é vinculante para uma formação acadêmica de qualidade. Ainda que cada um dos fatores exista por si só, a experiência do aluno se torna incompleta se um deles é dissociado dos outros. A transmissão dos conhecimentos, a produção de novos conhecimentos e o uso desses conhecimentos para intervenção nos processos sociais são, juntos, os ingredientes que tornam a educação uma ferramenta tão poderosa para o nosso progresso como sociedade. Neste sentido, o workshop sobre como utilizar a Teoria da Mudança em projetos de Desenvolvimento em tempos de Covid-19 realizada pela Oficina Global, nos dias 17 e 18 de novembro de 2020, entregou aos alunos e demais participantes um conteúdo didático, necessário e que navegou, de certa forma, pelos três âmbitos essenciais da formação acadêmica aqui mencionados.
Seguindo esta lógica, a Teoria da Mudança é uma estratégia bastante interessante de sistematização de ideias que nos permite visualizar as mudanças que gostaríamos de promover e as intervenções necessárias para atingi-las. Por meio dela, é possível entender quais são os tipos de transformações visadas (coletiva ou individual? relacional ou estrutural?), quem seriam os possíveis agentes da mudança envolvidos no processo (e que graus de influência e importância possuem para a efetivação desse objetivo), e qual é a sequência de efeitos que supomos serem necessários para desencadear o resultado buscado.
Para aqueles que escolheram (ou pretendem) seguir carreira na área do Desenvolvimento, apreender uma estratégia como a Teoria da Mudança é de valor inestimável. Para qualquer projeto a ser colocado em prática na área, a teoria provê ferramentas que nos permitem traçar metas realistas, determinar responsabilidades de maneira clara e, também, chegar a um consenso sobre o caminho a ser percorrido (ou as prioridades a serem consideradas) dentre as muitas possibilidades de ação – tornando, desta forma, um projeto de Desenvolvimento muito mais factível. O foco no contexto do Covid-19 dado pelo workshop também foi um exercício de grande valor, uma vez que os participantes foram convidados a refletir sobre os novos (ou velhos que se tornaram ainda mais gritantes) obstáculos na trajetória de transformação esperada pelos projetos de Desenvolvimento e políticas públicas dos mais diversos âmbitos.
Hemma Tengler – Workshop de 27 e 28 de fevereiro
O foco temático do workshop foi a abordagem da Teoria da Mudança em comparação com os Modelos Lógicos, sendo os últimos a ferramenta mais utilizada pelos implementadores de projetos de cooperação e exigida por vários financiadores de projetos. O workshop foi uma experiência interessante em dois sentidos:
• Reuniu participantes provenientes das ONGD portuguesas que trouxeram as suas experiências e práticas do dia-dia, investigadores / consultores e alunos que representaram o mundo académico;
• Optou por testar a Teoria da Mudança através da elaboração de um exemplo escolhido pelo grupo.
Como correu a experiência? Foi possível fazer ver a inovação e utilidade da Teoria da Mudança?
Na sua essência, o que distingue a Teoria da Mudança do Modelo Lógico é que na Teoria da Mudança faz-se uma reflexão mais profunda sobre as condições que devem mudar para se alcançar uma visão de longo prazo, as chamadas pré-condições da mudança. Esta reflexão não se limita à identificação de um número restrito de níveis de mudança (objetivo geral, objetivo específico, resultados), como no caso da Matriz do Quadro Lógico (MQL). Uma Teoria da Mudança (TM) apresenta-se num mapa cujo formato é flexível e não numa tabela rígida como a MQL. A TM nunca é um produto acabado, é um processo adaptável a novas necessidades e exigências. A característica principal da Teoria da Mudança é partir do futuro desejado e identificar passo por passo o que seria necessário para alcançar este futuro – o ponto de partida é uma visão positiva e não um problema e as suas causas.
Os participantes escolheram como mudança desejada de longo prazo o tema “Raparigas dos bairros sociais de Lisboa saem do ciclo da pobreza”. A partir deste tema identificaram as dimensões onde uma mudança deve ter lugar, como o empoderamento económico, empoderamento educacional, empoderamento sexual e reprodutivo. O tema escolhido foi ambicioso, por causa do vasto escopo. O ciclo de pobreza é complexo e torna-se mais complexo quando o lugar de intervenção não é restrito e o interveniente não é definido. Mais difícil do que a identificação das dimensões da mudança foi ainda o trabalho nas pré-condições da mudança a médio prazo. Os grupos de trabalho também encontraram dificuldades em distinguir entre efeitos e intervenções: o que mudou é diferente daquilo que nós fazemos para alcançar a mudança. Infelizmente, dois dias não bastaram para um exame exaustivo da lógica entre os níveis dos efeitos e entre os passos das intervenções. A pergunta-chave deste exame é saber quais os passos no mapa da Teoria da Mudança são necessários e se são suficientes para o passo a seguir. Caso não sejam suficientes, devem ser adicionadas novas intervenções.
O workshop foi uma primeira experiência com a Teoria da Mudança. É uma nova maneira de pensar em projetos de cooperação. Os modelos lógicos e as teorias da mudança diferem acentuadamente em termos das visões e das experiências de cada um em relação à explicação e aprendizagem. É importante salientar que a Teoria da Mudança e o Modelo Lógico se complementam. A TM é mais profunda e explanatória, a MQL pode ser usada para conceber a Teoria de Ação.
O feedback dos participantes foi muito positivo e vamos aproveitar esta primeira experiência para melhorar os nossos workshops deste tipo no futuro, selecionando um tema mais bem delimitado e orientando melhor os resultados dos trabalhos em grupo.
Para saber mais sobre a Teoria da Mudança:
• Os 4 passos de uma teoria da mudança geradora de impacto – 4change (Consultora de Impacto Social)
• Teoria da Mudança: quais são os 10 passos? – Estratégia Social (Maria Cecília Prates)
• Center for Theory of Change (em inglês, website com vários recursos sobre Teoria da Mudança)
• Hivos Theory of Change (em inglês, manual da ONG internacional Hivos sobre a Teoria da Mudança em projetos de cooperação para o desenvolvimento).
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