Igualdade de Género

Imagem: Linoca Souza via Fine Acts


Milhões de mulheres no Sul Global ganham uma ninharia, não possuem riquezas nem terras e realizam muito mais cuidados não remunerados do que os homens — e grande parte da sua condição atual pode ser atribuída à devastação económica causada tanto pelo colonialismo como pelo sistema económico extrativo que este criou. É por isso que qualquer plano de reparação deve incluir justiça para as mulheres. No último blog da nossa série Fórum Económico Mundial, Lurit Yugusuk e Hazel Birungi apresentam cinco formas de o fazer…  


O relatório de Davos da Oxfam, “Takers Not Makers”, expõe de forma contundente a forma como o Sul Global continua a debater-se com o legado devastador de séculos de colonialismo, sistemas que trouxeram a exploração e a extração que continuam até aos dias de hoje. O relatório destaca o colonialismo moderno de um sistema económico global em que a riqueza flui desproporcionalmente para os privilegiados, deixando para trás um rasto de pobreza e sofrimento. Só em 2023, revela o relatório, o 1% mais rico do Norte Global recebeu 263 mil milhões de dólares do Sul através do sistema financeiro – ou seja, mais de 30 milhões de dólares por hora


Mas esta injustiça económica não é apenas racial: é profundamente ligada ao género. Para as mulheres e raparigas, o impacto da história colonial é agravado por formas de discriminação que se cruzam. 


As mulheres e raparigas de ascendência africana, as mulheres indígenas e as mulheres de outras comunidades marginalizadas enfrentam a violência de género, o acesso limitado à educação e aos cuidados de saúde, as disparidades salariais significativas e a carga extra do trabalho do cuidado não remunerado, que é particularmente pesada no Sul. Globalmente, a Oxfam estima que o valor do trabalho do cuidado não remunerado realizado por mulheres seja de uns extraordinários 10,8 biliões de dólares anuais. As mulheres enfrentam também um enorme “fosso de riqueza entre géneros”: os homens de todo o mundo possuem mais 105 biliões de dólares de riqueza do que as mulheres, uma disparidade que tende a aumentar. 


O legado de género do colonialismo 


A diferença de género no rendimento e na riqueza no Sul Global pode ser atribuída às estruturas económicas coloniais. Estas davam prioridade à extração de recursos das nações colonizadas, muitas vezes à custa das populações locais. Fundamentalmente, nestes sistemas, o trabalho das mulheres – especialmente na agricultura e noutros sectores críticos – era sistematicamente desvalorizado. Esta situação persiste ainda hoje, com as mulheres do Sul Global desproporcionalmente empregadas em sectores informais e de baixos salários, como a agricultura ou o trabalho doméstico em condições precárias. As mulheres do Sul Global também enfrentam diferenças salariais que chegam a 30% em comparação com os homens, sendo que alguns sectores, como o trabalho doméstico e a agricultura, apresentam disparidades ainda maiores. 

A propriedade da terra tem sido uma fonte primária de poder e riqueza, mas as mulheres, especialmente no Sul Global, têm sido frequentemente excluídas da propriedade ou do controlo da terra. 


Como afirma o relatório: “As mulheres perderam poder e autonomia económica com a chegada das culturas comerciais coloniais e foram excluídas do mercado global, que beneficiava as empresas coloniais, enquanto as suas contribuições eram tratadas como trabalho não remunerado. Ao mesmo tempo, as leis consuetudinárias consagradas durante o período colonial foram muitas vezes transcritas pelos colonizadores com base no testemunho masculino e reforçaram as noções europeias de papéis de género.”  


O crescente movimento por reparações 


O impacto nas mulheres de todo o mundo faz parte de um legado colonial histórico que deixou cicatrizes nas sociedades de todo o mundo. Em África e noutras partes do Sul Global, conduziu a graves disparidades económicas, incluindo a desigualdade de rendimentos, a um acesso limitado exacerbado pelas crises climáticas e a uma violência institucional e sistémica persistente. 


Os apelos à reparação dos danos devastadores causados pelo colonialismo, pelo tráfico transatlântico de escravos, que foi uma parte essencial do mesmo, e pela exploração económica sistémica estão a aumentar.  Os líderes mundiais reuniram-se em Davos, para o Fórum Económico Mundial, numa altura em que a União Africana assume o seu tema para 2025, “Justiça para os africanos e os afrodescendentes através de reparações”


Essa luta por reparações é uma luta pela reparação das injustiças e danos históricos causados pelo colonialismo e pela exploração dos povos escravizados. O que é claro é que essa reparação não pode acontecer sem justiça reparadora para as mulheres e raparigas. O impacto de género do colonialismo e as desigualdades sistémicas em curso devem ser abordados explicitamente para garantir que as reparações não sejam apenas equitativas, mas também transformadoras para as mulheres, em particular das comunidades marginalizadas.  


Como podemos centralizar a justiça de género na luta pelas reparações?  


Como fazemos isso? Eis cinco grandes áreas de ação que podem orientar os esforços de reparação para priorizar a justiça de género e promover mudanças sociais e económicas duradouras para as mulheres: 


1. Todas as iniciativas de reparações devem incorporar uma análise de género, reconhecendo que a exploração colonial e económica teve efeitos distintos e duradouros nas mulheres. Isto inclui reconhecer a opressão histórica das mulheres e abordar as desigualdades persistentes que enfrentam atualmente. As reparações devem proporcionar recursos direcionados para reduzir a diferença de riqueza entre os géneros. Isto significa investimentos na educação das mulheres, na saúde, nos direitos à terra (ver abaixo) e no empoderamento económico. 


2. As reparações devem ser concebidas com uma abordagem interseccional que considere as formas como a raça, o género e a classe se cruzam para moldar as experiências de exploração colonial. As mulheres negras, indígenas e de outras comunidades raciais e étnicas marginalizadas foram duplamente impactadas: tanto pelas hierarquias raciais impostas pelo colonialismo como pelos sistemas patriarcais que subordinam as mulheres. Os esforços de reparação devem ser adaptados para atender às necessidades únicas destas mulheres, reconhecendo as formas específicas como as suas histórias e lutas foram moldadas pela violência colonial e pela opressão de género. 


3. A chave para a justiça para as mulheres é o reconhecimento do trabalho do cuidado não remunerado, que é há muito uma forma de trabalho invisível e subvalorizada, e que os sistemas coloniais impõem desproporcionalmente às mulheres. Em muitas partes do mundo, particularmente no Sul Global, as mulheres ainda são responsáveis pela maioria das tarefas domésticas e de cuidados sem remuneração. As reparações devem incluir não só a compensação financeira por este trabalho historicamente não reconhecido, mas também mudanças estruturais que permitam às mulheres um maior acesso ao trabalho remunerado e à independência económica. Além disso, as reparações devem envolver a redistribuição das responsabilidades de cuidados, garantindo que as mulheres não são as únicas responsáveis pelo trabalho não remunerado. 


4. Outro passo crucial é garantir que as mulheres tenham acesso à terra e a outros recursos que são tradicionalmente controlados pelos homens. A propriedade da terra tem sido uma fonte primária de poder e riqueza, mas as mulheres, especialmente no Sul Global, têm sido muitas vezes excluídas da propriedade ou controlo da terra. A restituição da terra, juntamente com o acesso a recursos como o crédito, pode proporcionar às mulheres uma base para a segurança económica e a autonomia. As reparações devem incluir disposições específicas que garantam às mulheres a igualdade de acesso à terra e aos recursos, capacitando-as para participar plenamente nos sistemas económicos e criar futuros sustentáveis.  


5. As reparações devem catalisar a transformação económica a longo prazo através da implementação de políticas de género justas. Estas políticas devem abordar questões sistémicas como a desigualdade de salários, o acesso limitado às redes de segurança social para as mulheres (especialmente nas comunidades rurais ou marginalizadas) e os elevados índices de violência que as mulheres continuam a enfrentar. Uma estrutura económica de género transformadora também se concentraria na capacitação das mulheres através de oportunidades de liderança e de uma maior participação nos processos de tomada de decisão a todos os níveis da sociedade.  


Não subestimamos a dimensão do desafio. Como disse o Presidente Sukarno, da Indonésia, no seu discurso na Conferência de Bandung, em 1955: “O colonialismo… é um inimigo hábil e determinado, e manifesta-se sob muitas formas. Não desiste facilmente dos seus despojos. Onde, quando e como quer que apareça, o colonialismo é um mal que deve ser erradicado da Terra”. 


Este artigo foi publicado originalmente no blogue From Poverty to Power. Leia o artigo em inglês aqui. A tradução é de responsabilidade da Oficina Global.

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