Migrações

Imagem: Marco Bianchetti via Unsplash.


Os líderes europeus parecem ter perdido o interesse em qualquer abordagem racional da política migratória. Como resultado, a Europa está a desperdiçar a possibilidade de lidar com a imigração irregular de uma forma mais segura, mais ordenada e mais humana, e está, em vez disso, simplesmente a tentar aumentar a segurança das fronteiras, reter os refugiados e os requerentes de asilo em trânsito e deportar rapidamente aqueles que não são elegíveis para proteção. 


No verão passado, assistiu-se a uma vaga de partidos de extrema-direita nas eleições para o Parlamento Europeu, para a Assembleia Nacional de França e para os parlamentos regionais alemães (e protestos anti-imigração no Reino Unido). Depois, em novembro, Donald Trump foi reeleito presidente dos EUA, seguindo uma agenda fortemente anti-migrantes, requerentes de asilo e refugiados, que está agora a implementar rapidamente. 


Os políticos centristas da Europa têm-se mantido notoriamente silenciosos sobre a criação de vias legais para os refugiados e requerentes de asilo chegarem ao continente, ou sobre a implementação de políticas baseadas em evidências para gerir a migração de formas que possam produzir melhores resultados tanto para as pessoas que se deslocam como para os países que pretendem alcançar. 


Em vez disso, em palavras e ações, estão a seguir populistas de direita como Victor Orban da Hungria e Giorgia Meloni de Itália, e estão a cair na armadilha da dissuasão da migração: ao reforçarem a ideia de que a migração irregular é mais bem controlada pela força física e preventiva do Estado, estão a criar expectativas na opinião pública que não serão capazes de satisfazer. 


A dissuasão pode obter êxitos a curto prazo, mas, se for empregue isoladamente, falha sempre a longo prazo. Isto leva normalmente a apelos a medidas mais e mais duras – e a novas vagas de apoio à extrema-direita, para quem estas nunca vão suficientemente longe.   


Propagação de uma ideia falsa 


O foco numa dissuasão cada vez mais severa falha porque o encerramento das fronteiras não impede as pessoas de se deslocarem durante muito tempo, simplesmente desviam-nas para outras rotas. Sim, no ano passado registou-se uma diminuição das travessias irregulares das fronteiras que coincidiu com a intensificação das políticas de dissuasão da UE. Mas os fatores que influenciam o porquê e quando as pessoas decidem mudar-se são complexos, e uma comparação anual de números não nos diz muito. 

A dissuasão permite que políticos de todos os tipos propaguem a falsa ideia de que o deslocamento das pessoas precisa e pode ser “arranjado”. 


A história tem demonstrado que, ao longo do tempo, os fatores migratórios são mais fortes do que as fronteiras. As pessoas são levadas a tomar a difícil decisão de migrar pela procura de trabalho noutros locais e são empurradas por guerras e perseguições no seu país. A dissuasão permite que os políticos de todos os tipos propaguem a falsa ideia de que o deslocamento de pessoas precisa e pode ser “arranjado”. 


Entretanto, à medida que as medidas de dissuasão se intensificam, a Europa corrói cada vez mais as suas normas éticas. O Centro Misto das Migrações tem documentado, desde 2019, a normalização de medidas cada vez mais extremas perto ou nas fronteiras da UE: detenção de migrantes em condições degradantes; deportação sem respeito pelos seus direitos humanos; e retorno violento para as fronteiras ou para o mar. 


As narrativas de dissuasão da migração também inflacionam o problema da migração irregular. É verdade que 385.445 pessoas (muitas das quais estavam a pedir asilo) entraram de forma irregular na UE em 2023, o maior número desde 2017. Mas é difícil perceber como é que esses números podem ameaçar uma região com 450 milhões de habitantes – uma região que permitiu que 3.741.015 cidadãos de países terceiros se estabelecessem legalmente nesse mesmo ano. “A realidade é que as entradas irregulares representam uma pequena fração da migração na UE”, como até a Comissão Europeia gosta de salientar


Além disso, a economia da Europa depende cada vez mais dos migrantes à medida que a sua população envelhece. Colocada neste contexto, a alegada “crise migratória” da Europa começa a parecer muito diferente.  


Em 2021, a Itália ofereceu 42.000 autorizações para imigrantes de fora da UE trabalharem no turismo e na agricultura, enquanto se estima que 230.000 imigrantes indocumentados trabalhem apenas neste último setor. Atualmente, a Autoridade Europeia do Trabalho afirma que existem 2.792.212 ofertas de emprego em toda a UE e a Comissão Europeia diz que o bloco precisa de um milhão de imigrantes por ano para a sua força de trabalho.   


Uma abordagem mais construtiva 


Em vez de medir o sucesso da política de migração com base na capacidade da Europa de reduzir o número de travessias irregulares nas fronteiras, os políticos deveriam reconhecer de forma mais construtiva a procura do continente por mão-de-obra estrangeira (legal ou ilegal) e a impossibilidade de travar a migração motivada por conflitos (e, cada vez mais, também pelas alterações climáticas).   


É necessário deixar de dissuadir a migração com todas as ferramentas do Estado e passar a gerir a migração com instrumentos mais flexíveis e recorrendo a ajuda de organizações para além das burocracias tradicionais – grupos da sociedade civil, cidades, empregadores e os próprios migrantes e refugiados.    


Um passo importante é criar mais vias legais para os requerentes de asilo e migrantes chegarem à UE. O bloco já criou uma estrutura para o fazer sob a forma do Quadro de Reinstalação da União (QRU). 


O QRU foi adotado no ano passado como parte do Novo Pacto sobre Migração e Asilo. Cerca de 22 organizações não governamentais de toda a Europa consideraram-no “um vislumbre de esperança” no meio de uma série de outras medidas que tornariam mais difícil para as pessoas vulneráveis encontrarem proteção na UE. 

Concentrarmo-nos apenas em medidas restritivas que não funcionam a longo prazo e nunca são suficientes para a extrema-direita europeia só irá corroer ainda mais o centro político. 


Os líderes da UE poderiam começar por aumentar os compromissos de reinstalação de refugiados como parte do QRU – os estados-membros comprometeram-se a admitir 61.000 refugiados e pessoas necessitadas de proteção internacional em 2024 e 2025, apenas um pouco mais do que antes e uma pequena fracção em comparação com a escala das necessidades globais. 


Uma forma de aumentar o número de reinstalações poderia ser através do patrocínio comunitário. Outra opção é permitir que os refugiados procurem emprego na Europa, tal como os outros imigrantes. A maioria dos refugiados do mundo encontra-se nos países que primeiro lhes deram asilo, onde o seu direito ao trabalho é frequentemente limitado e não têm a oportunidade de participar em programas de migração qualificada. Desde 2015, têm surgido muitos programas-piloto em toda a Europa para melhorar o acesso dos refugiados aos mercados de trabalho europeus. Estas iniciativas estão prontas para serem alargadas.    


Uma das abordagens mais interessantes para a gestão da migração é a criação mais opções para as pessoas enquanto estão em movimento. Nos EUA, o governo de Biden criou em 2023 Gabinetes de Mobilidade Segura (GMS) em países da América Central e do Sul. O seu objetivo é proporcionar aos refugiados e aos migrantes vulneráveis o acesso a vias como a reinstalação, os vistos de trabalho, o reagrupamento familiar e o patrocínio por familiares ou amigos que já se encontrem nos EUA para admissões humanitárias. 


Embora o historial dos GMS tenha sido misto, 266.570 pessoas solicitaram ajuda nos quatro GMS criados na Colômbia, Costa Rica, Equador e Guatemala antes de serem encerrados por Trump quando este assumiu o governo no mês passado.   


Estas são apenas algumas abordagens que merecem uma maior consideração. Mas uma coisa é clara: concentrarmo-nos apenas em medidas restritivas que não funcionam a longo prazo e nunca são suficientes para a extrema-direita europeia só irá corroer ainda mais o centro político. É mais do que tempo de as forças políticas moderadas da Europa aprenderem esta lição e escaparem à armadilha da dissuasão, articulando vigorosamente uma alternativa. Caso contrário, ficarão presos num jogo perdido – tanto para si próprios como para os migrantes e requerentes de asilo que sofrem as consequências de políticas rigorosas. 


Este artigo foi publicado originalmente no blogue The New Humanitarian. Leia o artigo em inglês aqui. A tradução é de responsabilidade da Oficina Global.

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