Imagem: Secretariado do Vice-Presidente, Governo da Índia via Wikimedia
Em junho de 2024, o estado de Nagaland, no nordeste da Índia, realizou as eleições para o Órgão Local Urbano (OLU) após um hiato de duas décadas. Segundo relatos, dos 278 assentos em órgãos cívicos, as mulheres conquistaram 102 assentos. Os números indicam como a quota feminina pode abrir caminho para que as mulheres entrem em arenas políticas dominadas por homens em sociedades patriarcais. Em 2023, duas mulheres Naga foram eleitas para a Assembleia Legislativa de Nagaland, composta por 60 membros, pela primeira vez desde a formação do Estado em 1963, o que foi saudado como “histórico”. Estes desenvolvimentos positivos podem ser considerados passos importantes nas décadas de luta das mulheres de Naga pelos seus direitos constitucionais.
Os OLU são instituições de autogoverno local urbano na Índia administrando ou governando uma vila ou uma cidade com população específica. A 74ª Lei de Emenda Constitucional, de 1992, determinou que todos os governos estaduais da Índia reservassem pelo menos um terço do número total de assentos nos OLU para mulheres.
No entanto, o governo do estado de Nagaland não realizou nenhuma eleição para OLU depois de 2004 porque os órgãos tribais se opuseram à reserva de assentos para as mulheres alegando violação do artigo 371(A) da Constituição indiana. As disposições especiais previstas no artigo 371(A) em relação ao Estado de Nagaland protegem explicitamente as práticas religiosas ou sociais das leis e procedimentos consuetudinários Naga.
Ao contrário da crença geral de que as sociedades indígenas no nordeste da Índia são igualitárias, a sociedade Naga é profundamente patriarcal e discrimina as mulheres em muitos níveis. Por exemplo, de acordo com as leis consuetudinárias de Naga, as mulheres não podem herdar propriedades ou participar de assuntos públicos. Portanto, a jornada para garantir 33% de assentos reservados nos OLU não foi fácil para as mulheres Naga, especialmente para as que são membros da Associação de Mães Naga (AMN) que lideraram a luta pela quota feminina nos OLU.
As mulheres Naga recorreram ao Tribunal Superior e ao Supremo Tribunal de Guwahati contra o governo do estado de Nagaland e, após um longo processo judicial, em novembro de 2023, a Assembleia de Nagaland aprovou a lei que reserva 33% dos lugares para as mulheres nos OLU, e as eleições foram finalmente realizadas em junho de 2024.
Associação de Mães de Naga — Um Agente de Mudança na Sociedade Naga
A AMN é sinônimo de serviço social e construção da paz na sociedade Naga devastada pela violência. AAMN lidera o movimento de mulheres em Nagaland há décadas. Para remontar à história da AMN, a ideia de organizar um fórum de mães tomou forma em 1970. Nesta altura, muitos males sociais como a toxicodependência, o alcoolismo e as destruições ecológicas começaram a assolar a sociedade Naga. Algumas mulheres Naga conscientes decidiram tomar frente e começaram a levantar suas vozes contra as questões sociais na frente das agências governamentais. Procuraram também a ajuda das agências governamentais para resolver os problemas. Com estas iniciativas, a AMN foi oficialmente formada em 14 de fevereiro de 1984.
A organização estava envolvida em atividades como luta contra as injustiças, a dependência de drogas, o alcoolismo, o tráfico de mulheres, as reformas eleitorais, entre outras. No entanto, o conflito entre o Estado indiano e os insurgentes Naga e os assassinatos fratricidas entre diferentes grupos insurgentes Naga obrigaram a AMN a intervir adotando o poderoso slogan “não derramar mais sangue”. As contribuições da AMN para a construção da paz em Nagaland têm sido monumentais, e os membros têm trabalhado incansavelmente como agentes de mudança na sociedade Naga. Em 2024, o governo da Índia reconheceu as contribuições dos membros da AMN quando concedeu à Sra. Sano Vamuzo, a primeira presidente da AMN, o prêmio Padma Shri, o quarto maior prêmio civil da Índia, por sua dedicação e compromisso com o Serviço Social. Em 2024, a AMN foi premiada com o “Prêmio de Excelência em Serviço Social” pelo Grupo Sadin Pratidin, Assam.
Quando me encontrei com a octogenária Sano Vamuzo em novembro de 2023 para aprender sobre AMN, ela disse: “Quando nosso próprio povo começou a lutar uns contra os outros, nós [AMN] formamos um comitê de paz. Somos guiados por Deus e tomamos qualquer problema como um problema familiar. Através do comitê de paz, mobilizamos nossas mulheres dizendo que as mães devem ser pacificadoras, nascemos pacificadoras.”
A luta e o sucesso das mulheres Naga pela quota nos órgãos locais urbanos
Apesar dos sacrifícios, lutas e enormes contribuições das mulheres Naga, elas encontraram muitos desafios dentro da sociedade Naga enquanto lutavam por seus direitos. O seu desafio mais difícil foi quando exigiram 33% dos assentos reservados para as mulheres nos OLU, um direito concedido às mulheres na Índia pela 74ª Emenda Constitucional (1992). No entanto, as mulheres Naga argumentaram que as eleições para os OLU, como as eleições gerais, estão fora do âmbito das leis consuetudinárias Naga. Em 2011, as mulheres Naga, incluindo membros da AMN, recorreram ao Tribunal Superior de Guwahati exigindo a realização de eleições municipais, e o tribunal decidiu a seu favor. Em resposta, o governo de Nagaland recorreu ao Tribunal Superior contra a decisão, pois temia retaliações de alguns setores da sociedade Naga. O Tribunal Superior ordenou ao governo estadual que formasse uma comissão para examinar o assunto. Insatisfeitas com a decisão do Supremo Tribunal, em 2017, as peticionárias de Naga recorreram ao Supremo Tribunal, que ordenou ao governo de Nagaland que realizasse as eleições com quotas para mulheres. No entanto, protestos maciços eclodiram em Dimapur, e duas pessoas perderam a vida na violência. As eleições foram suspensas e os membros do AMN retiraram as suas petições. Apesar disso, a União Popular pelas Liberdades Civis (UPLC) levou a petição adiante. Várias mulheres tribais Naga se distanciaram da AMN, e isso recebeu forte repercussão. A questão da quota feminina, portanto, expôs as fissuras dentro da sociedade Naga e a tensão entre tradicionalismo e modernidade.
A luta das mulheres Naga pelos seus direitos continuou. Entretanto, o governo de Nagaland negociou com os organismos tribais quotas para mulheres nos OLU. Depois de muita hesitação por parte do governo de Nagaland, em março de 2023, Supremo Tribunal ordenou que o governo de Nagaland realizasse as eleições municipais com quotas para mulheres. Em novembro de 2023, o governo de Nagaland aprovou a Lei Municipal de Nagaland com 33% de assentos reservados para mulheres nos OLU, mas não para os cargos de presidentes. Em junho de 2024, as eleições para OLU foram realizadas com quotas femininas e, pela primeira vez na história de Nagaland, as candidatas conquistaram 102 assentos.
O caminho a seguir
As eleições para OLU introduziram mais mulheres no espaço público, o que era necessário. Mais mulheres no espaço público significa que as vozes das mulheres são ouvidas, o que terá um impacto na formulação de políticas. O aumento da participação das mulheres nos assuntos públicos pode ter uma implicação positiva no processo de paz Naga, como disse a Prof. Rosemary Dzuvichu, professora na Universidade de Nagaland e ex-presidente e membro ativa da AMN em uma entrevista pessoal. Resolver a questão de décadas relativamente a quota para mulheres nos OLU é um passo positivo para a mudança na sociedade Naga dilacerada pelo conflito. As conversações de paz entre o grupo insurgente Conselho Nacional Socialista de Nagaland e o Governo da Índia foram inconclusivas. No entanto, os grupos da sociedade civil, incluindo a AMN, têm trabalhado ativamente para uma paz positiva, que implica desenvolvimento, justiça de género, igualdade e bem-estar social, e não apenas o fim dos conflitos armados.
A aprovação do projeto de lei que reserva 33% dos assentos para mulheres nas eleições para OLU, as mulheres disputando eleições e ganhando um número significativo de assentos indicam a mudança que as mulheres Naga, especialmente a AMN, vêm imaginando e lutando há décadas. Embora as mulheres Naga tenham sido ativas em todas as esferas da sociedade Naga, restrições sociais, culturais e institucionais as mantiveram à margem da política formal. Espera-se que o aumento da participação das mulheres na esfera pública mude a perceção das pessoas sobre os papéis tradicionais de género na sociedade Naga e sirva de exemplo para as gerações futuras.
Este artigo foi publicado originalmente no blogue da EADI. Leia o artigo em inglês aqui. A tradução é de responsabilidade da Oficina Global.