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Créditos da imagem: cottonbro studio via Pexels.


Confrontados com muitas crises, incluindo o desemprego e o aumento do custo de vida, os angolanos recorrem aos memes para expressar o seu descontentamento político. 


Há algumas semanas, um tio meu, muito ativo no grupo de Whatsapp da nossa família, compartilhou um meme que dizia o seguinte: “Quando será o próximo tráfico de escravos? Quero sair [do país].” Esta não foi a primeira vez que ele enviou um meme. Na verdade, recebemos vários deles quase todos os dias, o que muito rapidamente gera emojis de riso ou figurinhas (stickers) engraçados como respostas. Foi o que aconteceu também neste caso. Alguns primos riram deste meme, depois de certamente o terem partilhado com outras pessoas. Eu não consegui rir deste. Levei alguns minutos para processar o porquê. 


Nos últimos anos, os memes tornaram-se bastante populares nas redes sociais angolanas. Tornaram-se uma forma de os angolanos online lidarem com as suas várias preocupações diárias, tal como historicamente fizemos com a música e a dança. 


Como muitos ainda fazem, inicialmente considerei para os memes como meros posts engraçados na internet com o único propósito de fazer alguém rir. É por isso que eu não pensei muito profundamente antes de partilhar ou mesmo tentar criar alguns deles no passado. Foi preciso um meme como o que o meu tio mandou para começar a olhar para os memes como manifestações mais complexas. 


Tentando comparar memes a desenhos animados, Ribio Buse e Lesley Braun escrevem: “Em ambientes pós-coloniais, eles continuam a ser médiuns que secretamente – e às vezes explicitamente – zombam e desafiam abusos de poder”. Provavelmente é isso que os memes também estão fazendo, afirmam os autores, pois mostram como, na República Democrática do Congo, as pessoas estão usando memes online para rir de pessoas que ocupam espaços de poder e de si mesmas. 


No panorama das redes sociais angolanas, os memes estão agora por todo o lado.  Nos grupos de WhatsApp, no Instagram, no Twitter e, obviamente, no Facebook, que se acredita ser a principal fonte dos memes mais hilários. Ao contrário dos memes “típicos”, os angolanos são maioritariamente baseados em texto, geralmente sem imagens. Geralmente são textos simples relatando questões sobre quase tudo, desde assuntos atuais do país, questões de relacionamentos comuns, até coloquialismos bem conhecidos. 


Os memes estão a tornar-se tão sérios em Angola que já existe um nome popular, memeiros, dado a quem cria e partilha memes, bem como páginas de redes sociais exclusivamente dedicadas à partilha diária de memes feitos em Angola. Angola Depressão, por exemplo, tem mais de 300 mil seguidores no Instagram – 1.000 vezes mais do que o presidente de Angola, João Lourenço. 


A intersecção entre os memes e a realidade social é inegável. O meme “Quando será o próximo tráfico de escravos? Eu quero sair [do país]”, que, por sinal, é muito popular no Facebook, ilustra claramente um caso em que os memes são usados para expressar uma frustração mais profunda ou um grito de ajuda. Este meme é, sem dúvida, parte do discurso sociopolítico mais amplo que está acontecendo atualmente no país. Lidando com uma crise social e económica sem precedentes, Angola é cada dia um lugar mais difícil de viver para a maioria dos seus quase 35 milhões de habitantes. 


A falta de emprego e de oportunidades para os jovens, a maior população do país, as dificuldades no acesso aos serviços de saúde e educação, o aumento regular dos preços dos alimentos e o aumento dos preços dos combustíveis (depois de o Governo ter anunciado recentemente a retirada dos subsídios aos preços dos combustíveis) são algumas das principais razões que levam muitos a acreditar que não há esperança para o seu futuro. 


E é por isso que os memes nem sempre são apenas memes. 


O meme partilhado pelo meu tio, por exemplo, pode ser enquadrado num fenómeno social recente em que muitos angolanos, especialmente os jovens, querem ir para o estrangeiro à procura de melhores oportunidades de vida. Apesar de não haver dados oficiais sobre quantos já partiram, o cenário é rapidamente desvendado devido às constantes aglomerações de pessoas que podem ser vistas às portas dos consulados ocidentais em Luanda. No consulado português, destino “favorito” dos angolanos, algumas pessoas chegam mesmo a passar a noite do lado de fora apenas para garantir o seu lugar na entrevista do visto. 


O cenário é tão dramático que existe até um movimento inorgânico chamado “Movimento Cívico, Vamos Sair de Angola”. Criado em 2019, é popular no Facebook, com quase 60 mil seguidores, e postagens de descontentamento com o país e o partido no poder (Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), conselhos para pessoas dispostas a aderir ao movimento, e também histórias de sucesso de angolanos que deixaram o país.  


Edmilson Ângelo, académico angolano, defende que os recentes memes políticos dirigidos ao Governo devem ser entendidos como “reflexos da evolução e solidificação das redes sociais na nossa esfera política, bem como mudanças visíveis no contrato social entre quem governa e quem é governado do ponto de vista da juventude angolana”. 


Por enquanto, não está claro se a cultura de memes em rápido crescimento representa uma ameaça real ao partido no poder. No entanto, há um conhecido provérbio africano que diz: “Quando as formigas se unem, elas podem levantar um elefante”. 


Este artigo foi publicado originalmente pelo blogue Africa is a Country. Leia o artigo em inglês aqui. A tradução é da responsabilidade da Oficina Global.

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