Cooperação para o DesenvolvimentoDireitos HumanosSociedade Civil Organizada

Créditos da imagem: Markus Spiske via Unsplash.


Este texto sintetiza algumas reflexões do trabalho final de mestrado da autora. A dissertação “Os Direitos Humanos nas Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento: o caso da FEC”, foi apresentada em janeiro de 2023 no Mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional no ISEG. 


Uma Abordagem para o Desenvolvimento baseada nos Direitos Humanos


Os Direitos Humanos (DH) são direitos inerentes a todo o ser humano, sendo pautados pela sua universalidade e indivisibilidade e protegidos legal e internacionalmente.  


As Nações Unidas definem Direitos Humanos como:  

direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente da sua raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Os direitos humanos incluem o direito à vida e à liberdade, liberdade de opinião e expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre outros. Todos têm direito a estes direitos, sem discriminação. 


Ainda assim, apesar dos avanços registados ao longo dos últimos anos, o sistema de proteção internacional continua a apresentar desafios à realização efetiva dos direitos e liberdades fundamentais. É neste sentido que o papel das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD) e outras Organizações da Sociedade Civil deve ser reconhecido, como atores de influência na arena global de defesa e promoção dos direitos humanos, direitos das mulheres e direitos das crianças.  


Muitas destas organizações têm adotado uma Abordagem para o Desenvolvimento baseada nos Direitos Humanos (ADDH), que pode inclusive ser uma alavanca para alcançar os compromissos da Agenda 2030 e cumprir um dos seus lemas principais de “não deixar ninguém para trás”. 


A visão da ADDH é de que os DH são inerentes a todo o ser humano e devem ser constitutivos dos projetos de cooperação e desenvolvimento. Durante vários anos os termos Direitos Humanos e Desenvolvimento apareceram de forma isolada nos debates políticos, no entanto têm surgido cada vez mais interligados, e vistos como interdependentes e indissociáveis.  


Adotar esta abordagem pode ser bastante frutífero para o trabalho das ONGD. Muitas trabalham a defesa dos DH de forma direta, denunciando violações, prestando assistência às vítimas de abusos, realizando campanhas de sensibilização e advocacia. Contudo, trabalhar em prol dos DH e da cidadania global vai muito além disso. Trata-se de dar voz às pessoas, de promover sociedades democráticas, de garantir espaços de diálogo, o que num mundo cada vez mais complexo, globalizado e conectado, acaba por ser facilitado pela posição intermediária que define a maior parte das ONGD. 


Os Direitos Humanos na FEC: a ADDH na prática 


A partir da realização de um estágio curricular na FEC – Fundação Fé e Cooperação, procurei compreender de que modo esta ONGD integra os DH na sua missão e no seu trabalho diário, em conformidade com uma abordagem para o desenvolvimento baseada nos DH, que tipos de aprendizagens podem ser retiradas e replicadas por outras organizações e quais os principais desafios enfrentados.  


No geral, a defesa e a promoção dos DH e da cidadania global são um princípio transversal nas várias iniciativas da organização, que desenha e implementa projetos concretos que visam a promoção dos DH. A FEC rege-se segundo o ideal de que os DH são o pilar do desenvolvimento sustentável, pelo que todo o trabalho é guiado neste sentido.  


Além de monitorizar, investigar e documentar matéria de DH e de responsabilizar os governos e autoridades pelas suas ações, através da influência política e de apresentação de recomendações, o que acredito que distingue o trabalho da FEC e pode ser um exemplo para outras organizações é a forte aposta na criação de parcerias e sinergias sustentáveis, assentes na partilha e cooperação, como estratégia para garantir uma transformação social efetiva. Inclusive, a FEC promove formação regular e redes de diálogo entre os colaboradores, o que se espelha depois nas suas intervenções.  


Tal como é destacado pela FEC, a educação é um direito fundamental e fonte de empoderamento dos indivíduos para que possam reivindicar os seus direitos, pelo que as organizações de defesa de DH devem focar na Educação para os Direitos Humanos. Isto pode ser feito tanto em contextos formais como não-formais, seja com crianças e jovens, seja com educadores ou atores da sociedade civil, seja através da produção de recursos adaptáveis e replicáveis, numa lógica de reforço e capacitação mútua. 


Outro exemplo de como uma ADDH se relaciona com as metas de desenvolvimento sustentável, remete para o trabalho em prol da sustentabilidade ecológica e ambiental do planeta, bem como do respeito pelo direito à alimentação e segurança alimentar, a fim de garantir os direitos das gerações presentes e futuras. A FEC e outras ONGD efetivam esse compromisso por meio de estudos e de recolha documental que assentam na base de publicações e materiais produzidos e consequentes ações de sensibilização e advocacy, promovendo estilos de consumo sustentáveis e a adoção de políticas e estratégias mais respeitadores do meio ambiente.   


Qual o futuro das ONGD de defesa de Direitos Humanos? 


Apesar dos claros avanços registados em matéria de DH, há ainda um longo caminho a percorrer. A partir do estudo de caso que realizei e da imersão no setor do Desenvolvimento, concluí a importância das ONGD para concretização universal dos DH. Mas trata-se de um trabalho multifacetado e complexo, ainda mais dificultado em contextos de crise, como a pandemia de COVID-19, as alterações climáticas, a atual guerra da Ucrânia, entre tantos outros conflitos e crises humanitárias espalhados pelo mundo. Muitas vezes temos os DH como algo certo e garantido, mas cada vez se torna mais claro que não o são. Trata-se de uma luta constante e permanente.  


Além de apelar aos Estados para que cumpram a sua obrigação e responsabilidade de proteger os DH, deve ser garantido mais espaço à sociedade civil para que desempenhe o seu trabalho livremente sem ter “as pernas constantemente cortadas”, seja pela falta de recursos humanos e financeiros, seja pela crescente complexificação e falta de especialização em relação aos temas tratados, seja pela restrição de participação nos assuntos públicos e nos processos de tomada de decisão, ou até pela perseguição de quem luta pelos DH. 

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