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Créditos da imagem: Sergio Sebastian via Flickr (CC BY-NC-SA 2.0)


No dia 25 de novembro de 2021, no marco do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, centenas de pessoas levantaram suas vozes contra o racismo, a xenofobia e o sexismo em protestos na República Dominicana. O movimento intitulado “¡Las vidas haitianas importan!”apresenta-se como uma resposta ao discurso e às políticas do governo dominicano que estigmatizam a comunidade imigrante haitiana, em especial, as imigrantes haitianas, e violam seus direitos fundamentais.


Poucos dias depois do anúncio do endurecimento das normas migratórias no país caribenho – que incluem a construção de um muro na fronteira com o Haiti e a suspensão de vistos para estudantes haitianos/as – as autoridades de imigração deram início às operações de controle nos hospitais que relatam receber um grande fluxo de mulheres migrantes grávidas indocumentadas, principalmente as haitianas ou as descendentes de haitianos/as. Assim, sem qualquer processo legal que considere seus direitos ou necessidades de proteção humanitária, essas mulheres são detidas e, por fim, deportadas ao país vizinho. Organizações da sociedade civil denunciaram que muitas mulheres foram retiradas dos hospitais de forma violenta, ainda com sondas nos braços, com dores de parto e separadas de seus bebês e familiares.


Segundo o governo, centenas de mulheres grávidas indocumentadas foram deportadas até a segunda semana de novembro e a operação, que fere tanto leis internas quanto internacionais, continuará apesar do repúdio expresso às ações do Estado exprimidas pela sociedade civil, Organização das Nações Unidas e Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O Estado dominicano – não pela primeira vez – aponta a comunidade migrante e, em especial, as mulheres haitianas como a causa dos problemas sociais e econômicos do país caribenho. Buscando justificar suas agressões, o governo de Luis Abinader culpa as imigrantes grávidas de origem haitiana pela deficiência dos hospitais e da saúde pública no país.


Nada nesse cenário é novidade seja no território dominicano, seja na arena internacional. A tríade da xenofobia, do racismo e do anti-haitianismo pode ser observado em todos os territórios que recebem os imigrantes do país caribenho responsável pela primeira revolução anticolonialista e antiescravista do mundo.


As ações do Estado dominicano contra a população de origem ou descendência haitiana não são, infelizmente, atos impensados ou isolados. Em 2013, por exemplo, a República Dominicana desnacionalizou cerca de 200.000 outrora dominicanos/as de descendência haitiana. Determinou-se na ocasião, de forma retroativa, que os/as filhos/as de genitores em situação migratória irregular, mesmo que nascido/as em território dominicano, e até mesmo em posse de sua certidão de nascimento, não possuíam de fato o direito à nacionalidade dominicana.


Nada nesse cenário é novidade seja no território dominicano, seja na arena internacional. A tríade da xenofobia, do racismo e do anti-haitianismo pode ser observado em todos os territórios que recebem os imigrantes do país caribenho responsável pela primeira revolução anticolonialista e antiescravista do mundo. A partir da construção do “outro” e hierarquização de seres humanos instituída no período colonial, além do advento da Revolução Haitiana (1804), o anti-haitianismo se desenvolve na comunidade internacional e a população haitiana, que há tanto migra em busca de oportunidades e de recomeços, é constantemente invisibilizada, explorada e condenada a vidas marginalizadas.


Em setembro de 2021, fotografias de haitianos/as que migravam e foram perseguidos por guardas da fronteira norte-americana montados a cavalos na divisa com o México causaram comoção internacional. No Chile, a morte do imigrante haitiano Louis Alex Gentil por um policial foi o estopim que gerou protestos em setembro de 2021 com os dizeres: “¡Las vidas haitianas valen! ¡Las vidas negras valen! ¡Las vidas inmigrantes valen!”. Com discursos xenófobos e racistas, o governo de Sebastián Piñera buscou ressaltar os imigrantes haitianos como invasores e como culpados dos problemas enfrentados pelo Estado sul-americano.


O governo da República Dominicana e a grande mídia utilizam-se também do racismo e da xenofobia latente da sociedade dominicana através de um discurso de ódio que centraliza as/os imigrantes haitianas/os como invasores/as e como ameaça ao país e aos seus habitantes. Ainda, há uma tendência de apresentar as imigrantes haitianas apenas pelo seu papel reprodutivo, descrevendo-as como um peso ao Estado. Na narrativa delineada, elas não trabalham, vêm ao país apenas em sua condição de reprodutoras para aproveitar os recursos públicos e serviços de saúde materna.


Assim, é notável nesse projeto uma política discriminatória de gênero que atinge com força os corpos femininos e negros. Nos movimentos de resistência domínico-haitiano é comum ouvir que a Sentença que trouxe a RD para o mapa da apatridia nas Américas tem “rosto de mulher negra”. A Lei Geral de Imigração de 2004 ainda passou a vincular de maneira explícita o status regular migratório da mãe, quando esta dá à luz, para o processo de registro civil do recém-nascido. Essas mulheres são vítimas da violência sistemática racista e sexista do Estado dominicano, que se utiliza da capacidade reprodutiva das mulheres como um meio de limitar o acesso à nacionalidade dominicana.

A situação dos haitianos/as e descendentes de haitianos/as na República Dominicana não é isolada.  Imigrantes afrodescendentes recebem a face mais restritiva das políticas de migração, lidam com a xenofobia, com o racismo estrutural e o sexismo das suas sociedades hospitaleiras.


Ao deter mulheres em trabalho de parto nos hospitais, o governo dominicano coloca em risco a saúde e a vida de centenas de crianças e mulheres, violando seu direito à saúde – principalmente à saúde reprodutiva. Devido ao medo das mães de serem interceptadas pela polícia migratória, o fluxo de pacientes estrangeiras nos hospitais caiu – tanto de internações para nascimentos, tanto de consultas de acompanhamento neonatais. Ao mesmo tempo, mulheres dominicanas de descendência haitiana desnacionalizadas em 2013 – e que até hoje não possuem um documento de identificação válido – são colocadas novamente em situação de vulnerabilidade extrema pelo Estado que deveria lhes proteger ao não conseguirem o atendimento gestacional apropriado nos hospitais públicos.


Tais ações têm efeitos danosos e excludentes – trazendo ainda mais obstáculos para a já difícil integração local e para o acesso a direitos – como saúde, educação, moradia, trabalho. Essas medidas são desumanas e ameaçam a vida e a dignidade humana de mulheres, crianças e homens de todas as idades de origem e descendência haitiana que vivem na República Dominicana.


No documento formulado e intitulado pelo movimento ¡Las vidas haitianas importan!, mais de 600 organizações da sociedade civil, ativistas, artistas, acadêmicos e lideranças nacionais e internacionais explanam sua rejeição aos atos do governo dominicano e pedem para que tais políticas desumanas, racistas, xenófobas e sexistas cheguem ao fim.


“Negar o acesso à saúde, à educação e aos direitos trabalhistas mais básicos com base em critérios raciais, como o governo dominicano está fazendo, é uma atrocidade que não deve continuar. Afirmamos que vidas negras e haitianas importam na República Dominicana”, assevera o documento.


Por fim, a situação dos haitianos/as e descendentes de haitianos/as na República Dominicana não é isolada.  Imigrantes afrodescendentes recebem a face mais restritiva das políticas de migração, lidam com a xenofobia, com o racismo estrutural e o sexismo das suas sociedades hospitaleiras. Sociedades estas que, muitas vezes, dão boas-vindas aos imigrantes brancos, europeus ou ocidentalizados de braços abertos.


Diante disso tudo, temos que continuar lembrando e protestando que imigrar não é crime, é direito humano e – como tantos outros movimentos que deram visibilidade à discriminação racial e à luta antirracista ao redor do mundo – que vidas negras importam, vidas haitianas importam e a vida de mulheres haitianas importam.

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