Economia e FinançasTransformação

Este artigo foi publicado originalmente pelo EADI Blog. Leia o artigo em inglês aqui. A tradução é da responsabilidade da Oficina Global. Créditos da imagem em destaque: Rilsonav via Pixabay.


A degradação ambiental e a injustiça social estão profundamente enredadas com a economia em crescimento. Aplicar lubrificantes verdes e inclusivos em seus mecanismos não é a solução. Devemos abandonar o crescimento.


Vivemos em um mundo onde o 1% mais rico da população ganha tanto quanto os 50% mais pobres. Nos últimos 40 anos, o rendimento médio/renda média desse 1% cresceu 11 vezes mais rápido do que os 99% restantes. Enquanto isso, as alegações de que a pobreza extrema foi reduzida só podem ser sustentadas ao estabelecer uma faixa ridiculamente baixa. Uma abordagem mais credível sugere que o número de pessoas em todo o mundo cujos rendimentos as impedem de sair da pobreza aumentou 150% nos últimos 40 anos. Apesar de provas contundentes do contrário, persiste a ideia de que os pobres de alguma forma vão superar a pobreza. Os defensores pró-crescimento insistem que é precisamente porque os benefícios do crescimento são compartilhados de forma desigual, que o crescimento deve tornar-se inclusivo. Devemos intensificar nossos esforços para melhorar as condições sob as quais os pobres são assimilados pela economia global (geralmente) em expansão. Os trabalhadores informais, que constituem 61% da força de trabalho global, de fato enfrentam condições de trabalho precárias, baixos salários e abusos dos direitos humanos. Mas o crescimento não resolverá esses problemas, pela simples razão de que ganha com eles.


Um caso semelhante pode ser feito contra o crescimento verde. Há apenas três anos, a economia mundial descartou 61 mil milhões/bilhões de toneladas de resíduos e absorveu 92 mil milhões de toneladas de recursos naturais (com a previsão de aumentar para 184 mil milhões de toneladas em 2050). Essa transformação de recursos em resíduos é chamada de “metabolismo global” e expandiu exponencialmente ao lado do crescimento económico por décadas. O crescimento do PIB mundial também está fortemente correlacionado a perda de biodiversidade, consumo de energia, emissões de consumo e outras pegadas ecológicas. Os defensores pró-crescimento afirmam que não devemos confundir correlações passadas com causalidade. Devemos intensificar nossos esforços em direção ao ideal de “dissociação absoluta”: a contração de nosso metabolismo global enquanto permitimos que as economias cresçam. No entanto, quando aumentamos a eficiência no uso do material, reduzimos os custos de produção, aumentamos o investimento e, assim, expandimos em vez de reduzir nosso metabolismo. O crescimento levou-nos a um território inseguro; não nos levará de volta.


Brincar com o modelo existente de crescimento económico não vai reduzir significativamente a pobreza e proteger o meio ambiente. As mudanças necessárias são muito mais fundamentais – começando com a redistribuição de um espaço de utilização ambiental finito e desigualmente compartilhado. Se não o fizermos, a desigualdade em suas várias formas continuará a reproduzir vulnerabilidades.


A desigualdade reproduz a pobreza


Aqui estão alguns exemplos. Livres mercados supostamente alocam bens e serviços para maximizar o bem-estar de todos. Na realidade, todos os tipos de desejos luxuosos coexistem e levam a privações intoleráveis. Estima-se que três mil milhões de pessoas não podem ter uma dieta saudável, mesmo que gastem a maior parte de seu rendimento em alimentos. Este problema surge de mercados globalmente integrados e desregulamentados que respondem apenas ao poder de compra, cada vez mais desigual. Por exemplo, o consumo de carne nos EUA equivale ao dobro da Índia e da África juntas. Rendimentos mais altos no Norte global levaram a fluxos de carne e ração animal do Sul global. Essas disparidades também se aplicam à água, energia, terra e outros recursos essenciais. As desigualdades de rendimento deixam os pobres com as sobras.


Se os mercados falham com os pobres, os estados devem intervir com o fornecimento de bens públicos básicos e de mérito, como vale-refeição ou insumos agrícolas subsidiados. Mas, novamente, disparidades globais mais amplas prejudicam o acesso a esses bens. Ao longo do século 20, as trocas desiguais no sistema mundial levaram a pesadas dívidas no Sul, que sobrecarregam a capacidade dos Estados de cumprir seus deveres para com os pobres. Por exemplo, a cada segundo, os custos crescentes de saúde na Índia empurram mais duas pessoas para a pobreza.


Um último exemplo. Indivíduos em países de alto rendimento têm uma pegada material 15 vezes maior do que aqueles em países de baixo rendimento. Os países de alto rendimento, portanto, têm a maior parte da culpa pelas rupturas ecológicas de hoje, que produzem escassez de materiais. Os ricos apropriaram-se de seus recursos cada vez maiores e descartaram seus resíduos cada vez maiores às custas dos pobres. Essas injustiças aumentam à medida que nossas economias começam a atingir os limites do crescimento. O custo crescente da extração de materiais leva a apropriação de recursos que separa as pessoas de serviços anteriormente gratuitos dos quais dependiam para alimentação, abrigo e meios de subsistência. Os pobres também perdem o acesso por meio da deterioração indireta quando os impactos dos fluxos de resíduos cada vez maiores são externalizados, por exemplo, por meio de redutos de poluição que prejudicam os ecossistemas nas periferias. Diante dos limites, o sistema torna-se excessivamente explorador.


Esses argumentos levam a três conclusões. Primeiro, dada a apropriação insegura e desigual da natureza, é justo que os ricos assumam a maior parte do esforço de restaurar condições seguras e justas. Em segundo lugar, a única maneira de conseguir isso efetivamente é encolhendo suas economias superdimensionadas: o crescimento verde não oferece escapatória a esse imperativo do decrescimento. Terceiro, é necessário um encolhimento maior por parte dos ricos para que os pobres aumentem seus padrões materiais de vida a um nível mínimo de dignidade e resiliência. O crescimento inclusivo não oferece escapatória a esse imperativo de redistribuição via decrescimento.


O crescimento está no ADN do capitalismo


Qual é a implicação de tudo isso? As nações ricas devem liberar seu domínio explorador sobre a natureza e reduzir materialmente a escala em 40-50%. Tomando emprestada a metáfora da economia donut, precisamos do decrescimento para aparar tanto as transgressões biofísicas do anel externo quanto as deficiências sociais do anel interno. Mas devemos dar mais um passo! Conforme discutido, desigualdades mais amplas reproduzem vulnerabilidades. A forma como alocamos e distribuímos todo o espaço de utilização ambiental determinará se podemos ou não corrigir as deficiências sociais. O decrescimento, portanto, significa muito mais do que uma redução do consumo excessivo para abrir espaço para reivindicações materiais mínimas. Também implica a redução de investimentos em busca de lucro que impulsionam uma acumulação social e ecologicamente destrutiva por meio da exploração, apropriação e externalização.


Esse apelo ao decrescimento não se encaixa no sistema económico dominante baseado no crescimento – ou seja, o capitalismo. Deixe-me repetir aqui que este sistema cresce porque ignora as fronteiras ambientais e mina a justiça social. No entanto, não podemos simplesmente nos livrar do crescimento. Está escrito no ADN/DNA do capitalismo. Praticamente nenhum empresário ou corporação pode ignorar isso sem enfrentar o encerramento ou a falência: é crescer ou morrer. O decrescimento implica, portanto, uma transformação sistêmica e uma redistribuição completa da riqueza.


O interesse adquirido obviamente resistirá. Enquanto os pobres foram desapossados por esse sistema em constante expansão, os ricos ganharam poder económico e político. Enfraquecidos por dívidas e evasão fiscal, os Estados do Sul global competem para atrair capital reduzindo seus padrões ambientais e trabalhistas. Assim, as corporações aumentam sua capacidade de externalizar custos e minimizar a responsabilidade. Tudo isso subverte os processos democráticos e bloqueia qualquer coisa que aspire a mudança estrutural.


Então, para onde vamos a partir daqui? Como estudiosos do desenvolvimento, devemos começar abandonando a doutrina do crescimento e redefinindo o ODS 8. O crescimento económico agregado, mesmo do tipo “verde” e “inclusivo”, envolve danos socioecológicos. Somente quando libertar-se desses emaranhados, pode esperar-se que o desenvolvimento se torne social, ecológica e relacionalmente inclusivo.


Este texto é baseado no artigo “Inclusive is not an adjective, it transforms development: A post-growth interpretation of Inclusive Development”, Environmental Science & Policy, outubro de 2021”. Esta é uma tradução da versão originalmente publicada no EADI Blog.

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