Ajuda HumanitáriaDireitos Humanos

Esta é uma versão resumida de uma reflexão da Comissão Episcopal de Justiça e Paz de Moçambique para disseminar a Declaração dos Bispos Católicos de Moçambique e, com isso, chamar a atenção para a trágica situação em Cabo Delgado. A província está situada no Norte do país, onde está concentrado o maior investimento privado de África para exploração de gás natural. Desde 2017, vários ataques de grupos armados levaram a cerca de 700 mil deslocados. Recentemente, a crise humanitária tem sido agravada pela intensificação da violência em Palma, com graves violações de Direitos Humanos e mais 40 mil deslocados.  Crédito da imagem em destaque: John McCabe via Flickr.


Introdução


No dia 16 de Abril deste ano de 2021, os Bispos, reunidos na sua primeira Sessão Plenária anual, escreveram e publicaram, uma declaração intitulada “Declaração dos Bispos Católicos de Moçambique”. Nesta declaração, eles deploram a trágica situação da população de Cabo Delgado, lamentam a insegurança nas populações do centro do país e mostram estar inconformados com a insegurança alimentar, a fome e a violência que se alastra cada vez mais no país, num contexto de pandemia do Covid-19.  


Uma breve contextualização


Passados mais de três anos, as informações sobre este conflito continuam confusas e imprecisas. A literatura e as análises que se fazem sobre a questão de Cabo Delgado oferecem abordagens diferentes. Entre várias, podemos destacar três, sendo a primeira aquela que atribui a guerra a uma revolta popular contra abusos de poder e falta de expectativas de melhoria da vida da população, o que equivale a dizer que é uma guerra contra o governo. A segunda seria a perspectiva que liga a guerra à eclosão de uma revolta jihadista islâmica protagonizada por moçambicanos radicalizados na Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Qatar e outros países africanos que vivem conflitos similares que encontraram seguidores desta ideologia nos vizinhos tanzanianos e mais tarde conseguiram o apoio do Estado Islâmico. Portanto seria uma guerra contra o Estado Moçambicano na sua vertente Laica. A terceira perspetiva é mais ideológica e liga a guerra à descoberta de gás e à exploração de riquezas naturais – rubis e madeiras preciosas, para além de recursos provenientes do tráfico de drogas e diversos tipos de tráficos ilícitos que acontecem em paralelo. A má governação, a ausência do Estado nesta parcela do país e o subdesenvolvimento seriam fatores que propiciam os ressentimentos contra o poder e alimentam o recrutamento de jovens sem melhores expectativas de vida, quer em Cabo Delgado como em Nampula e Niassa. São elementos entrelaçados de índole económica, social, ideológica e civilizacional que devem ser tomados em conta simultaneamente.  


A problemática de Cabo Delgado, tem vários rostos: político-militar, económico, cultural, religioso, etc. Cada um desses rostos é um grande problema que deve ser tratado à parte, com uma intervenção e solução próprias, mas com vista ao mesmo fim: restituir a paz e tranquilidade a Cago Delgado, restituir o direito de viver às populações.


Os impactos da guerra de Cabo Delgado reflectem-se bastante na dignidade, qualidade de vida e ambiente de esperança em viver no local que cada moçambicano gostaria e perspetivar o futuro de si próprio e dos descendentes. Mas esses sonhos estão desaparecendo e o nível de desespero aumenta cada vez mais no seio daquelas populações: o número de mortes aumenta, aumentam as infraestruturas destruídas e não se percebem sinais do fim do conflito. Assim, a população conclui que o Estado os tenha abandonado. De facto, o modo como o Governo está a gerir a situação (ausência) leva-os a estas suposições.  

A problemática de Cabo Delgado, tem vários rostos: político-militar, económico, cultural, religioso, etc. Cada um desses rostos é um grande problema que deve ser tratado à parte, com uma intervenção e solução próprias, mas com vista ao mesmo fim: restituir a paz e tranquilidade a Cago Delgado, restituir o direito de viver às populações.  

Algumas constatações relevantes

 
Ao longo de todo estes anos, têm-se constatado as seguintes realidades: 

  1. Há ligação lógica entre uma juventude alienada e as diferentes formas de insurgência tais como a criminalidade, o terrorismo e o extremismo político e religioso. 
  1. A não resolução definitiva do conflito armado está acentuando o nível de pobreza e ofusca o sonho de desenvolvimento, o que cria descontentamento de revolta e isso pode ser um foco para origem de um outro conflito que dizima a espécie humana que já está sendo reduzida pelos insurgentes.  
  1. Um olhar crítico aos projectos de gás e petróleo: o País não está preparado para gerir a exploração sustentável e humana destas riquezas, e, seria necessário, primeiro, se criarem condições para que o País possa fazê-lo de forma sustentável e integrada como todos os seus intervenientes. 
  1. Existem também as seguintes constatações não menos importantes: 

a) Diante de evidências de que o Estado moçambicano não tem condições para enfrentar a guerra com as forças militares que neste momento tem, provavelmente, a vitória militar não seria uma resposta à complexidade da situação de Cabo Delgado; 

b) Devem convencer-nos de que uma alternativa diferente, fora da alternativa militar, faz-se urgente; 

c) O Quénia é o único país que até agora oferece uma experiência de acção militar bem sucedida ao terminar com uma sublevação deste mesmo tipo. Seria possível colher a sua experiência? 


Portanto, assistimos, com todas estas constatações, um agudizar da crise humanitária em Cabo Delgado, uma crise que ameaça alastrar-se a outros pontos do país e da região. Não faz mais sentido parar e não fazer nada, pois estamos implicados todos. Precisamos explorar e perceber os contornos da crise humanitária que hoje assistimos em Cabo Delgado, e salvarmos o que ainda for possível salvar.

Em relação ao papel do Governo, vários apelos já se têm feito no sentido de se fazer presente e actuante, de cumprir o seu papel. Mas nós, como Igreja, precisamos acolher e cuidar da vida daqueles nossos irmãos que tiveram que se retirar das suas casas, porque viram tudo a ser destruído. 

Portanto, assistimos, com todas estas constatações, um agudizar da crise humanitária em Cabo Delgado, uma crise que ameaça alastrar-se a outros pontos do país e da região. Não faz mais sentido parar e não fazer nada, pois estamos implicados todos. Precisamos explorar e perceber os contornos da crise humanitária que hoje assistimos em Cabo Delgado, e salvarmos o que ainda for possível salvar.


Caminhos de esperança


Ao terminar a sua Declaração, os bispos afirmam que “apesar dos momentos difíceis que estamos a viver, ninguém perca a esperança”. Por isso, para parar com o sofrimento do povo, o Governo moçambicano poderia percorrer os caminhos que abrem a esperança e que não passam em primeira mão por uma equação militar, como: 

  1. Diplomacia para melhorar a vigilância das fronteiras de Moçambique, buscando acordos com os países vizinhos;  
  1. Oferecer apoio aos deslocados internos erradicando as situações de fome e subnutrição por uma acção política e social para garantir um melhor acompanhamento aos atingidos pela guerra; 
  1. Conciliar sinergias entre o Conselho Islâmico de Moçambique, o Conselho Cristão de Moçambique, forças partidárias e sociedade civil para que todos estes, com a Igreja Católica, possam oferecer à população em geral e aos jovens em particular tudo o que possam precisar para que não pensem na possibilidade de filiação aos insurgentes e adesão ao terrorismo; 
  1. Trabalhar afincadamente por um programa geral e global de desenvolvimento e integração social; 
  1. Promover pesquisas que ajudem a perceber melhor as coisas; 
  1. Cerco financeiro. De onde procedem os fundos que alimentam os grupos armados? É necessário cercar, fiscalizar, responsabilizar. 


Abril 2021.


Dom Alberto Vera Arejula 
Bispo de Nacala e Presidente da Comissão Episcopal de Justiça e Paz

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