Descolonizar o DesenvolvimentoPolítica SocialSociedade Civil OrganizadaTransformação

Este artigo foi publicado originalmente pelo Africa is a Country uma plataforma online com conteúdos de análise e opinião. Leia o artigo em inglês aqui. A tradução é da responsabilidade da Oficina Global. Créditos da Imagem: Governo da África do Sul via Flickr CC BY-ND 2.0.  

O que aconteceria se as pessoas conseguissem transformar a política estatal baseando-se no princípio da justiça social? A luta da SIDA na África do Sul provê algumas lições. 

Este post faz parte do trabalho da Turma de 2020-2021 do AIAC Fellows

Uma onda de populismo e autoritarismo em ambos os lados do Atlântico tem facilitado a insurgência de grupos particulares ao poder e sublinhado que o controle político do Estado pode produzir transformações significativas na sociedade. Estes eventos destacam que são as pessoas a trabalhar dentro do Estado que controlam como as instituições governamentais operam e produzem efeitos que impactam a sociedade. Em vez de instituições impessoais que refletem critérios normativos, tais dinâmicas sugerem que as pessoas são o Estado. Mas quais são as implicações de enquadrar conceitualmente o Estado como as pessoas? O que poderia acontecer se diferentes grupos de pessoas tivessem a capacidade de transformar a política estatal baseando-se nos princípios da justiça social? 

Contarei essa história em meu novo livro. O movimento do HIV/SIDA na África do Sul – constituída por ativistas, profissionais da saúde, ONGs, e outros – ocupou o Estado para transformar a política, renovar as instituições de saúde, e apoiar as vidas das pessoas a viver com HIV. Tal movimento deu força aos princípios políticos desenvolvidos pelo movimento anti-Apartheid para construir uma coalização ampla que mudou as políticas nacionais relativas ao HIV e ampliou o acesso aos tratamentos por meio da mudança institucional. O resultado foi uma renovação do sistema estatal de saúde. A luta do movimento do HIV/SIDA mostra como o Estado pode permitir a representação de vozes diferentes numa sociedade pluralista.  

A campanha pelo acesso aos tratamentos destaca que são as pessoas que produzem efeitos sociais relacionados com os Estados, e que ativistas, ONGs, e outras entidades podem alterar políticas e transformar instituições estatais para produzir mudanças drásticas na sociedade. O movimento Sul-Africano do HIV/SIDA conseguiu ocupar o Estado para expandir o acesso ao tratamento, um resultado que demandou a superação da oposição de um grupo poderoso de elites estatais que rigorosamente limitou acesso ao tratamento, questionando a relação científica entre o HIV e a SIDA, e ativamente apoiou medicamentos cientificamente não-comprovados como tratamento. Notavelmente, este clique dos “dissidentes da SIDA” incluíam o então Presidente Thabo Mbeki e seu Ministro da Saúde em exercício Manto Tshabalala-Msimang, dentre outros. 

Consequentemente, a história da epidemia do HIV/SIDA na África do Sul demanda que consideremos como as perspetivas afro-pessimistas distorcem nossa compreensão do Estado e da política contemporânea em África. De facto, conceitualizações normativas do Estado têm frequentemente sido utilizadas para caracterizar as políticas Africanas e as dinâmicas da política como fracassadas, desviantes ou associadas à criminalidade, e, portanto, a requerer intervenção externa para redirecionar estes processos. Ao invés de reproduzir representações coloniais de sociedades Africanas, eu afirmo que reenquadrar o Estado como as pessoas permite uma nova abordagem para estudar as dinâmicas do Estado e da sociedade que permite contornar a implantação de conceções Anglo-Europeias de Estado. 

“…a história da epidemia do HIV/SIDA na África do Sul demanda que consideremos como as perspetivas afro-pessimistas distorcem nossa compreensão do Estado e da política contemporânea em África.”

Acompanhar as pessoas, sejam elas ativistas do HIV/SIDA, membros de ONGs, ou representantes do Estado, nos permite enxergar suas vidas como elas são, de facto, vividas. Movimentar-me ao lado das pessoas envolvidas nas políticas do HIV/SIDA permitiu-me testemunhar o desenvolvimento de políticas e do exercício do poder conforme ele acontecia, e usar essa informação para estudar o Estado, ao invés de depender de conceções abstratas de poder e política. Empregar essa metodologia facilita uma compreensão diferente do poder estatal como amplificação das ideias e ações de pessoas específicas, em vez do produto de uma burocracia sem rosto e sem nome.  

Por exemplo, o desenvolvimento de uma política provincial para o HIV/SIDA foi redirecionado pela política em torno da renovação do subsídio com o Fundo Global de Combate ao HIV/SIDA, a Tuberculose e a Malária na região de Western Cape. As ações de pessoas e organizações específicas redirecionaram um processo de desenvolvimento da política nacional que visava expandir rapidamente o acesso ao tratamento de HIV/SIDA. O processo social que levou a esse resultado foi consequência de ações realizadas por pessoas trabalhando dentro e nas margens do Estado. Esta história mostra como o sucesso ou o fracasso das iniciativas de políticas para o HIV/SIDA lideradas por ativistas não dependiam somente de questões técnicas, mas eram, ao invés disso, contingentes à constelação de pessoas, organizações, e instituições que interagiam e produziam as dinâmicas de poder e os resultados das políticas em diferentes níveis do Estado. 

Enquanto o movimento do HIV/SIDA finalmente emergiu como triunfante na luta pelo acesso ao tratamento, para muitos Sul-Africanos pobres ou da classe trabalhadora, incluindo aqueles envolvidos no movimento, a vitória não abordou as condições socioeconómicas que estruturam as suas vidas e impulsionam a infeção pelo HIV/SIDA. Ao analisar a significância da campanha pelo acesso ao tratamento em conjunto com a transformação social limitada, minha pesquisa sugere que a transformação social limitada, vista através das condições econômicas, sociais e políticas, continua a conduzir a expansão contínua da epidemia do HIV/SIDA. Essa conclusão sublinha que o ativismo pela justiça social baseada nos direitos e o acesso ao tratamento talvez não sejam suficientes para mudar as determinantes sociais da saúde e acabar com a epidemia do HIV/SIDA na África do Sul do pós-apartheid. 

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