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No último dia 25 de fevereiro, a Oficina Global (OG) reuniu a ex-Presidente da Plataforma Portuguesa das ONGD e Diretora da Fundação Fé e Cooperação (FEC), Susana Réfega, e a doutoranda em Estudos de Desenvolvimento no CEsa/ISEG e co-fundadora da OG, Ana Luísa Silva, para uma conversa com os alunos do Mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional do ISEG sobre a participação dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada nos processos de transformação social. O evento, que marcou o pré-lançamento da versão em português do livro Onde Começa a Mudança, de Duncan Green, contou ainda com a moderação do Professor de Desenvolvimento do ISEG e co-fundador da OG, Luis Mah.  

Para Réfega, o livro, lançado originalmente em 2016 (How Change Happens), ganha atualidade e relevância no contexto da pandemia global: “momentos de crise amplificam os desafios que já existiam, mas não estavam tão visíveis. Qual é a nossa parte de poder de mudança em momentos de crise?”. Para entender os principais temas debatidos no pré-lançamento do livro, leia os comentários das mestrandas em MCDI, Mariana Silvério e Rafaela Almeida.  


Em “Onde Começa a Mudança“, Green discute a mudança social por meio de exemplos reais de pessoas, movimentos e organizações ao redor do globo que contribuíram ativamente para esse processo. Faz aqui download gratuito do livro, já disponível em português.


Mariana Silvério

“Réfega destaca a habilidade de Green em conectar mundos que, por vezes, possuem dificuldades reais para se comunicar (o das organizações e o do ativismo, por exemplo) e a sua apresentação de conceitos e articulações essenciais para o entendimento das transformações sociais na prática e das dinâmicas do desenvolvimento. Ela aponta que “pode haver desenvolvimento sem mudança e mudança sem desenvolvimento” e que a compreensão dessa diferença é bastante necessária ao trabalho das ONGs e dos demais envolvidos na área, sobretudo para reconhecer os limites e possibilidades de atuação no terreno.    


A ex-presidente da Plataforma Portuguesa das ONGD joga luz a outros pontos centrais que Duncan Green apresenta em sua obra e que são também úteis para a prática do desenvolvimento e da cooperação. Dentre eles, Susana Réfega tratou da substancialidade de um olhar sistêmico perante os processos de mudança desejados, isto é, a compreensão dos aspectos estruturais que moldam os fenômenos sociais. Da mesma forma, foi comentado sobre a importância de uma análise do poder enquanto elemento que pode permitir, facilitar, dificultar ou impedir os processos de mudança. E, por fim, ela destaca a utilidade de “relembrar o óbvio”, referindo-se aos fatos de que os processos de mudança não são lineares, que eles podem acontecer por razões imprevisíveis e que nem sempre é possível ter controle total sobre todas as partes envolvidas. Quanto a este último ponto, Réfega faz uma ressalva: não obstante todas as dificuldades e imprevisibilidades, é também útil aos que trabalham na área (ou apenas desejam melhorar uma situação) relembrar que a mudança é, sim, possível, vide todos os exemplos que Duncan Green aborda em seu “bom guia para reflexões”, nas palavras dela. 


“Eu acredito que essa crise que atravessamos é um grande teste para a cooperação para o desenvolvimento, porque volta a questionar os seus princípios fundamentais”, afirma Susana Réfega.


Questionada sobre as lições apreendidas ao longo da sua ampla experiência de practitioner do desenvolvimento e cooperação, a ex-diretora da FEC- Fundação Fé e Cooperação aponta que, de forma geral, enquanto as organizações não governamentais exercem a análise sobre as dinâmicas do poder de forma quase automática para o desempenho dos seus projetos, por outro lado, elas possuem um significativo déficit relativo à sua capacidade de visão sistêmica. Réfega também avalia as grandes potencialidades de transformação dos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e argumenta que o trabalho dessas esferas não é indissociável daquele realizado pelas ONGs. Pelo contrário: justamente pela distinção entre o modus operandi desses setores e o das ONGs, existe aí uma miríade de oportunidades de colaboração entre eles que ainda são pouco exploradas.   


Por fim, indagada sobre as suas perspectivas em relação ao contexto da pandemia e do pós-pandemia e o momento crítico que eles representam para os campos da cooperação, do desenvolvimento e do ativismo, Susana entra numa reflexão incontornável diante das presentes circunstâncias. “Eu acredito que essa crise que atravessamos é um grande teste para a cooperação para o desenvolvimento, porque volta a questionar os seus princípios fundamentais”, afirma. Ela cita a questão das vacinas, por exemplo, que consistirá no ponto mais proeminente dentro do mencionado contexto em termos de atestação dos preceitos da cooperação e do desenvolvimento internacional. Neste sentido, ela garante que o livro de Duncan Green permanece atual quanto ao seu conteúdo que versa sobre os processos de transformação social e, “se calhar, até ganha mais atualidade e relevância”, uma vez que oferece lentes muito claras para análise das dinâmicas de poder que estão a acontecer perante à pandemia.” 

Faz aqui download gratuito do livro em português.

Capa Final


Rafaela Almeida

Perguntar-se onde começa a mudança, nos tempos de crise em que vivemos, soa como uma “pergunta de ouro” cuja resposta nos parece complexa demais para transcender a teoria e caber em qualquer espaço de fático. Contudo, ao comentar o livro de Duncan Green, Susana Réfega – que já o acompanha há alguns anos – afirma que o autor, ao longo de sua trajetória, cria uma ponte entre o ativismo e a academia, de modo que qualquer pessoa que queira agir para a mudança encontra material no livro “Onde Começa a Mudança”.


Ao dialogar com a crise da Covid-19, Susana Réfega, em concordância com Duncan Green, aponta que a pandemia não nos trouxe nenhuma surpresa, mas serviu como um “raio-x” das tensões sociais ja existêntes.


Há três conceitos da obra que Susana considera importantes para a prática da mudança, como ter um olhar sistêmico e entender que os projetos de desenvolvimento e a própria advocacy, apesar de não serem necessariamente sistêmicos, operam dentro de um universo social amplo; realizar uma análise de poder, seja de uma maneira superficial, com a identificação do “poder visível” ou com uma análise mais profunda do “poder invisível”, feita através da análise dos atores sociais; e por fim, lembrar de coisas aparentemente óbvias, uma vez que as mudanças não são lineares nem estáveis. Susana ressalta que nenhum processo de mudança é neutro e que, neste campo, as disputas por espaços de poder são constantes e somam-se ao fato da sociedade civil se mostrar, muitas vezes, conservadora ao querer a mudança “para fora”, mas não a quere “para dentro”. Ao dialogar com a crise da Covid-19, Susana, em concordância com Duncan Green, aponta que a pandemia não nos trouxe nenhuma surpresa, mas serviu como um “raio-x” das tensões sociais ja existêntes.


Mas então, neste cenário aparentemente catastrófico em que vivemos, como agir para a mudança? A resposta vem sem muita cerimônia: é necessária a ação conjunta de ativistas, movimentos sociais e sociedade civil organizada, em prol da mudança. Quanto a ajuda, este seria um momento propício para refletir sobre o seu papel e localização e sobre suas dinâmicas, segundo uma análise sistêmica do poder.


Ainda, Susana nos lembra que em seu livro, Green ressalta que momentos críticos levam, em maior ou menor escala, a desvios positivos na realidade que podem direcionar as mudanças pretendidas. Deste modo, a reflexão deve ser permanente, mas não pode nos paralisar enquanto agentes da mudança.


“Onde Começa a Mudança”, portanto, se apresenta como um suspiro de esperança aos que anseiam contribuir para a mudança e se faz importante para pensarmos caminhos para mudanças com desenvolvimento. Ressalta-se a importância do constante diálogo entre a pesquisa teoria e a prática de ativistas, na advocacy e na sociedade civil, de modo que o objetivo último seja a mudança sistêmica com desenvolvimento, cujos caminhos emergem das próprias sociedades e de seus desvios positivos.

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