Economia e Finanças

Imagem: Barta IV via Pixabay


Preparem-se para a nova classe de trilionários: cuja riqueza será construída não com base no mérito, mas na herança, no monopólio – e no legado do colonialismo 


O mundo parece destinado a ver cinco trilionários numa década — e há mais bilionários a serem criados por herança do que através do empreendedorismo. Anjela Taneja e Harry Bignell apresentam o Relatório Davos 2025 da Oxfam, que revela a escala da riqueza não merecida — e como essas riquezas são construídas sobre um legado colonial de sistemas globais exploradores.  


Lembram-se do ano passado quando a Oxfam disse que em breve veríamos o primeiro trilionário do mundo? Bem, os nossos novos cálculos sugerem que o mundo está agora a caminho de ter nada menos que cinco trilionários dentro de uma década. E enquanto os super-ricos continuam a acumular riquezas inimagináveis, o nosso novo relatório para Davos 2025 mostra como, simultaneamente, o número de pessoas que vivem na pobreza está a estagnar – na verdade, tem-se mantido praticamente inalterado desde 1990. 


O relatório deste ano demonstra até que ponto a nossa economia global está distorcida, à medida que os super-ricos lucram à custa dos restantes. Estamos agora a ver quase quatro novos bilionários a cada semana, com a riqueza dos mais ricos a crescer três vezes mais rápido em 2024 do que em 2023. Mas por detrás destes números notáveis estão dois temas cruciais:  

  • Os super-ricos de hoje são tomadores, não criadores. Por outras palavras, a sua riqueza não é geralmente conquistada por mérito, mas construída por herança, clientelismo, corrupção e monopólio. Gozam dos frutos de todo o nosso trabalho; e 

  • A riqueza dos bilionários assenta no colonialismo. Isto significa tanto a pilhagem histórica de impérios e a escravatura que extraiu triliões, como o legado vivo dessa era no colonialismo moderno: sistemas económicos globais injustos, hierarquias raciais e de género e outras desigualdades incorporadas na ordem mundial global que têm as suas origens na era colonial formal. Sessenta anos após o fim do período colonial formal, explicamos como a nossa economia global continua a canalizar a riqueza do Sul Global para o Norte e, especificamente, das pessoas comuns do Sul para os mais ricos do Norte. 


Como a herança, o clientelismo e o monopólio conduzem à riqueza extrema 


O ano passado foi um ano excelente para os bilionários, com o surgimento de mais de 200 novos bilionários. O nosso relatório explica como a herança, o nepotismo e o monopólio estão a impulsionar estas fortunas.  


Em 2023 – pela primeira vez – mais novos bilionários enriqueceram através da herança do que através do empreendedorismo. Na verdade, todos os bilionários do mundo com menos de 30 anos herdaram a sua riqueza. Nas próximas três décadas, mais de 1.000 dos bilionários de hoje transferirão mais de 5,2 triliões de dólares para os seus herdeiros. A Oxfam calcula que 36% da riqueza dos bilionários é atualmente derivada de herança.    


E grande parte da riqueza dos super-ricos não tem a ver com o que sabem, mas com quem conhecem: com quem se faz lobby, com quem se entretém, ou cuja campanha se financia. Em suma, grande parte da riqueza extrema é o produto de ligações de compadrio entre os mais ricos e os governos. A Oxfam calcula que 6% da riqueza dos bilionários provém de fontes clientelares. 


O poder dos monopólios está também a aumentar a riqueza extrema e a desigualdade em todo o mundo. As empresas monopolistas podem controlar os mercados, estabelecer as regras e os termos de troca com outras empresas e trabalhadores e fixar preços mais elevados sem perderem negócios. Estas estratégias aumentam a riqueza dos seus proprietários bilionários. Calculamos que 18% da riqueza dos bilionários provém do poder de monopólio. 


Como a desigualdade extrema está enraizada tanto no passado colonial como nos atuais sistemas coloniais 


Um tema central do relatório para a cimeira de Davos desta semana é o facto de a nossa ser realmente a era do colonialismo bilionário. As pessoas que hoje são ricas beneficiam não só de uma história de extração brutal de riqueza, mas também de sistemas e estruturas modernas que continuam a transferir riqueza do Sul Global para o Norte. O resultado é que a maioria dos bilionários (68%, que detêm 77% da riqueza total dos bilionários) vive nos países ricos do Norte, apesar de estes albergarem apenas um quinto da população mundial. 


A riqueza e os bens extraídos da escravatura e do império fluíram principalmente para as potências europeias do Norte Global. Os colonizadores sujeitaram as pessoas à violência, à escravatura, ao trabalho forçado nas plantações dos colonos brancos e das multinacionais, para além dos assassinatos e do extermínio. Nas Américas, por exemplo, a colonização europeia exterminou 90% dos povos indígenas, reduzindo a população mundial em 10%. As potências coloniais também extraíram o que os especialistas dizem hoje que equivale a triliões de dólares dos povos escravizados (ver uma série de estimativas no nosso relatório). Por exemplo, estima-se que 40% do crescimento económico holandês na década de 1770 pode ser atribuído à escravatura e ao tráfico de escravos.  


A Oxfam calcula que, entre 1765 e 1900, os 10% mais ricos do Reino Unido extraíram riqueza só da Índia no valor de 33,8 triliões de dólares em valores atuais. Isto seria suficiente para cobrir quase quatro vezes a superfície de Londres com notas de 50 libras. 


Os principais beneficiários desta extração colonial foram os mais ricos e as classes dominantes dos países colonizadores, muitos dos quais eram altamente desiguais do ponto de vista económico. Por exemplo, na Grã-Bretanha, em 1820, a parte do rendimento de uma pessoa pertencente ao 1% mais rico era 75 vezes superior à de uma pessoa pertencente aos 50% mais pobres. Em 1900, quando o império britânico estava no seu auge, a diferença era 107 vezes maior. 


Um argumento central do relatório é sobre como as repercussões dessa era colonial ainda hoje se fazem sentir. Isto não acontece apenas nos nossos sistemas financeiros, mas em profundos legados socioeconómicos e políticos que continuam a moldar vidas e a consolidar divisões em todo o mundo. A era reconfigurou fundamentalmente as estruturas sociais, transformando características como a raça, o género e a classe em armas para reforçar os sistemas de extração e opressão. 


O legado disto pode ser visto nos salários no Sul Global, que são entre 87% e 95% mais baixos do que os salários no Norte para trabalhos com a mesma competência. É tempo de amplificar as vozes daqueles que apelaram à ação para resolver este legado do colonialismo


O legado colonial das instituições globais, do setor financeiro e do comércio 


O relatório mostra como o atual sistema económico global reflecte e perpetua desigualdades que remontam à era colonial, prejudicando as nações mais pobres e as pessoas mais pobres dentro dos países. Os principais pilares de um sistema que está a realizar uma enorme e contínua transferência de riqueza do Sul Global para o Norte incluem: 

  • O controlo do Norte Global sobre o sector financeiro cada vez mais dominante e as moedas mundiais. O relatório revela como um sistema financeiro global manipulado (que proporciona custos de empréstimo mais baixos no Norte Global) beneficia os atores financeiros do Norte Global. Por exemplo, no primeiro trimestre de 2024, os bancos centrais de todo o mundo detinham cerca de 58,9% das suas reservas afetadas em dólares americanos. A Oxfam calcula que este desequilíbrio, por si só, leva a um pagamento de quase 1 trilião de dólares por ano do Sul Global para o Norte, dos quais 30 milhões de dólares por hora estão a ser pagos ao 1% mais rico dos países ricos. 

  • O poder desigual nas instituições que governam o nosso mundo. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) detêm um enorme poder sobre as economias dos países de baixo e médio rendimento, mas estes últimos têm pouca influência na forma como são geridos. Os países do G7 continuam a deter 41% dos votos no FMI e no Banco Mundial, apesar de terem menos de 10% da população mundial. Por cada voto que uma pessoa média do Norte Global tem no Banco Mundial e no FMI, a pessoa média do Sul Global tem apenas um oitavo de um voto; o sul asiático médio tem apenas um vigésimo; no FMI, o voto de um britânico vale 41 vezes mais do que o voto de um bangladeche. 

Este artigo foi publicado originalmente no blogue From Poverty to Power. Leia o artigo em inglês aqui. A tradução é de responsabilidade da Oficina Global.

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