Imagem: Karla Čurčinski via FineActs
Os “dinossauros” têm de se tornar “camaleões” e as “avestruzes” têm de se transformar em “águias”, à medida que as ONG internacionais repensam fundamentalmente o seu papel para poderem trabalhar em verdadeira parceria com os atores locais, afirma Adama Coulibaly, da Oxfam.
O impulso para a descolonização no desenvolvimento global está enraizado no reconhecimento de que o sistema atual foi construído com uma mentalidade colonial. Este sistema perpetua um desequilíbrio de poder em que aqueles que dispõem de recursos e conhecimentos ditam as condições para quem não os tem. Este desequilíbrio de longa data levou a uma desconexão entre prestadores e beneficiários da ajuda, resultando muitas vezes em intervenções ineficazes e culturalmente insensíveis.
A descolonização é crucial para desmantelar estas estruturas ultrapassadas e construir parcerias novas e equitativas. Significa reconhecer o poder e a agência inerentes às comunidades locais e garantir que as suas vozes, direitos e necessidades estão no centro dos esforços de desenvolvimento.
Esta mudança implica alterações processuais, mas exige também uma mudança fundamental na forma como o poder, a agência e os recursos são distribuídos no setor do desenvolvimento global.
O quê: identificar áreas de mudança
Abordar o “quê” da descolonização é um desafio assustador. Requer uma revisão abrangente de tudo, desde modelos de financiamento até às estratégias de implementação de programas, bem como uma profunda mudança de mentalidade, iniciando uma compreensão profunda e reflexiva da colonialidade em todas as suas formas: poder, raça, conhecimento, género e relações socioeconómicas.
Amitabh Behar, diretor executivo interino da Oxfam, destaca quatro dimensões críticas que o desenvolvimento global deve abordar para catalisar mudanças transformadoras em seu artigo de opinião na Devex, “Como passar da retórica à realidade na descolonização do desenvolvimento”:
1. Descolonizar o projeto e as estruturas: Isto inclui a mudança da sede para o Sul Global e a democratização da governação para garantir a igualdade de representação e de poder de decisão para todas as unidades nacionais.
2. Descolonizar o dinheiro: Isto envolve a redistribuição de recursos financeiros para o Sul Global, assegurar que a maioria dos fundos de desenvolvimento são gastos localmente e reduzir as burocracias do Norte que supervisionam estes fundos.
3. Descolonizar o conhecimento e a competência: Isto implica valorizar o conhecimento local e as competências da linha da frente, investir em académicos e grupos de reflexão do Sul e redefinir a competência de modo a incluir a experiência no terreno com maior remuneração e reconhecimento.
4. Descolonizar a teoria da mudança: Esta abordagem defende o design e a tomada de decisões nas intervenções de desenvolvimento a partir da base, assegurando que os grupos locais tenham uma contribuição e flexibilidade significativas, ao mesmo tempo em que aborda questões mais amplas de distribuição de poder, alocação de recursos e produção de conhecimento.
Estes são os pilares sobre os quais assentam os legados coloniais e que devem ser abordados para alcançar uma verdadeira descolonização.
O como: implementar estratégias eficazes
A implementação de estratégias de descolonização e localização exige mudanças estratégicas no âmbito das organizações não governamentais internacionais (ONGI):
1. De dinossauros para camaleões: Passar de estruturas rígidas para organizações adaptáveis que possam responder às diversas necessidades das comunidades.
2. De avestruz para águia: Passar da aversão ao risco para a tomada estratégica de riscos para promover a inovação e soluções eficazes.
3. De generalista para especialista: Concentrar-se nas competências essenciais para maximizar o impacto e a eficácia.
4. De navio de cruzeiro para lancha: Transformar organizações grandes e lentas em entidades ágeis que se podem adaptar rapidamente.
5. Do lugar do condutor para o lugar de trás: Capacitar os parceiros locais para assumirem a liderança enquanto as ONGI prestam apoio e facilitação.
Estas mudanças estratégicas são essenciais para que as ONGI repensem seu papel e trabalhem em verdadeira parceria com os atores locais. Pode ler mais sobre isso no meu artigo “Futuro das ONGI | Parte 2: a era da transferência do poder [do ‘Norte Global’ para o ‘Sul Global’]”.
Reforçar as vozes locais
Um aspecto crucial da descolonização e da localização é amplificar as vozes dos atores locais. De acordo com Mohamed Ali, fundador e CEO da Iftiin Foundation, uma ONG local na Somália, isto significa garantir que as comunidades locais tenham o poder para projetar, implementar e avaliar as iniciativas de desenvolvimento.
Sublinha a importância da agência comunitária e a necessidade de reconhecer, valorizar e reforçar a capacidade, a autoridade, a influência e o conhecimento dos intervenientes locais para garantir que as pessoas mais próximas dos pontos de impacto das intervenções de desenvolvimento estejam na linha da frente.
Significa também reconhecer e combater as desigualdades no Sul Global, a fim de criar um setor de desenvolvimento verdadeiramente inclusivo e representativo. Duas áreas importantes a abordar são:
- Representação e responsabilização: Assegurar que os atores locais tenham lugar à mesa de tomada de decisões e responsabilizar os doadores pelos seus compromissos são passos essenciais para alcançar uma verdadeira localização. A transparência e a responsabilização são fundamentais para transformar a retórica em realidade e fazer progressos tangíveis na localização.
- Conhecimentos a nível do terreno: Compreender a forma como a localização está a ser implementada no terreno é essencial para colmatar as lacunas e os desafios. Exemplos como a Rede Humanitária ASAL, no Quénia, em que os responsáveis locais lideram os processos de tomada de decisão, evidenciam o potencial da localização, mas também a necessidade de esforços contínuos no financiamento e reforço das capacidades.
Trabalho diário e ações concretas
O caminho da descolonização e da localização é coletivo, exigindo empenho e ação de todos os intervenientes do setor do desenvolvimento global. Ao embarcarmos nessa jornada, é essencial
- Aplicar os princípios da descolonização ao trabalho diário e às estratégias de longo prazo.
- Tomar medidas concretas para mudar mentalidades e desafiar os legados coloniais.
- Promover uma cultura que valorize e integre as vozes locais nos processos decisórios.
Ao abordar estas áreas, o setor pode derrubar barreiras e construir um cenário humanitário e de desenvolvimento mais equitativo e justo. O diálogo contínuo e os esforços conjuntos darão forma a um futuro mais inclusivo e demonstrarão que o desenvolvimento global pode, de fato, ser transformado através da ação coletiva.
Este artigo foi publicado originalmente pelo blogue From Poverty to Power. Leia o artigo em inglês aqui. A tradução é de responsabilidade da Oficina Global.