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Imagem: Mystical Mumbai via Unsplash.


A teoria diz-nos que as democracias deveriam se tornar mais igualitárias. Então, porque ainda são tão desiguais? Gideon Coolin,Emanuele Sapienzae Andy Sumner em seu novo artigo do PNUD destrincham a política da desigualdade.  


Joseph Stiglitz observou que a desigualdade é “uma escolha”. Na verdade, uma escolha política. Então, porque é que as democracias não escolhem fazer mais para combater as desigualdades? 


Esse é o tema do nosso novo artigo publicado pelo PNUD. Analisamos as políticas de desigualdade e como e porquê os sistemas de governação introduzem – ou mais frequentemente não introduzem – novas políticas para abordar a distribuição de rendimento e riqueza. Esperamos que este trabalho seja útil para quem defende a redução da desigualdade, enquanto tenta entender o que está impedindo que os espaços políticos se abram mais para a justiça social e económica. 


Dois factos sobre a desigualdade: é elevada e persistente


Comecemos por dois factos sobre a desigualdade nacional ou “dentro do país”: primeiro, a desigualdade é geralmente elevada na maioria dos países e, em grande parte do Sul global, está em um nível que provavelmente impedirá o crescimento futuro do rendimento (segundo um estudo do FMI). 


Em segundo lugar, a desigualdade é persistente – o que significa que a desigualdade mais elevada tende a persistir ao longo do tempo, mesmo que possa aumentar ou cair um pouco (por exemplo, na América Latina nos anos 2000, a desigualdade a desigualdade diminuiu um pouco em relação aos níveis elevados).


No entanto, a teoria diz-nos que as democracias devem se tornar mais igualitárias 


A desigualdade persistente e elevada nas democracias parece contradizer a expectativa teórica, social e política de que a democratização deveria conduzir a uma distribuição mais justa do rendimento e da riqueza na sociedade.  


Simon Kuznets argumentou que, à medida que os países se urbanizam e enriquecem, os níveis de desigualdade que registam aumentam, antes de atingirem o pico e declinarem em níveis de rendimento mais altos. Em sociedades democráticas, argumentou, a tributação do capital e da riqueza seria inevitavelmente introduzida à medida que o poder político dos grupos com menores rendimentos aumentasse. Kuznets era claro ao afirmar que a política tem o potencial de contrabalançar qualquer aumento da desigualdade. Defendia ainda que, nas democracias, os migrantes urbanos se organizariam politicamente, levando à redistribuição. 


Na mesma linha, Meltzer e Richards previram que a democracia tende a se traduzir em níveis mais baixos de desigualdade. Num sistema de regra de maioria simples, haverá apoio majoritário a medidas de redução da desigualdade quando a desigualdade for elevada. Uma desigualdade elevada incentivará os atores políticos a defender a redistribuição, e isso levará a políticas redistributivas – seja a tributação progressiva, a política social ou a prestação de serviços. 


Se estas teorias fossem válidas, seria de esperar que a distribuição do rendimento e da riqueza fosse mais equitativa nas sociedades mais “democráticas” (o que, evidentemente, pode significar uma grande variedade de coisas). No entanto, o historial das democracias na redução da desigualdade de rendimento e de riqueza é, na melhor das hipóteses, misto. Em muitas democracias, a desigualdade continua a ser elevada e bastante persistente. Isto é importante num contexto global de retrocesso democrático. Há provas de que o apoio das pessoas à democracia aumenta quando se considera que a democracia proporciona “justiça distributiva”. Por esta razão, a capacidade das democracias para promover a justiça distributiva deve ser considerada um fator central para o apoio à democracia ou para a resiliência das democracias. 


Como a política é realmente feita 


Para entender por que razão a política redistributiva não é mais amplamente adotada e o que pode ser feito, é necessário primeiro entender melhor como a política é feita. Podemos entender esse processo como sendo impulsionado pela interação de três aspectos: 

  • os atores políticos e as redes, que contestam e concebem ou enquadram as políticas; 
  • as instituições políticas e o contexto – as estruturas formais e informais, por exemplo, o sistema legislativo ou partidário, no qual os atores trabalham; e 
  • os discursos e as narrativas que moldam a compreensão das pessoas sobre as políticas. 


A forma como estes fatores interagem determina os resultados de um processo político e significa que a introdução de políticas redistributivas é mais complexa do que o sugerido por Kuznets ou Meltzer e Richard. 


Quatro fatores que podem bloquear as políticas redistributivas


No nosso inquérito, quatro fatores emergem como particularmente influentes. 


Em primeiro lugar, se as pessoas querem ver políticas de redução da desigualdade adotadas não se deve simplesmente ao seu interesse “racional”. Por exemplo, expectativas de níveis de rendimento mais altos no futuro, baixa confiança nas instituições para executar políticas, falsas percepções de sua posição na distribuição de rendimentos, normas culturais e crenças ideológicas conduzem a um menor apoio à redistribuição entre os grupos que se beneficiariam dela. Estes podem ser moldados pelo ambiente mediático ou por narrativas predominantes (por exemplo, em torno de ideias como a “meritocracia”). Isso significa que, em muitos casos, aqueles que poderiam se beneficiar em termos puramente económicos da redistribuição podem votar de forma contrária aos seus interesses materiais. 


Em segundo lugar, mesmo quando as pessoas são a favor de políticas redistributivas, existem frequentemente barreiras à ação coletiva necessária para traduzir esse desejo em demandas políticas. A existência de partidos políticos, sindicatos ou grupos cívicos capazes de falar coletivamente para aqueles com preferências pró-redistribuição aumenta o poder de negociação dos grupos com rendimentos mais baixos. Onde essas organizações não existem, ou o espaço para o engajamento cívico é limitado, os esforços coletivos para traduzir preferências em políticas podem fracassar. Sistemas em que a política é organizada com base no clientelismo ou na identidade também tendem a reduzir a possibilidade de ação coletiva em prol da justiça distributiva. 


Em terceiro lugar, existe o obstáculo colocado por aqueles que têm interesse em preservar altos níveis de desigualdade. As elites económicas podem usar o acesso privilegiado para controlar processos políticos, proteger sua posição económica ou manipular as preferências das pessoas através do controlo dos meios de comunicação social e de outras fontes de influência cultural. Em circunstâncias extremas, também podem recorrer à violência para bloquear políticas e impedir a redistribuição. 


Em quarto lugar, as instituições de um sistema político, juntamente com os discursos e as narrativas de uma sociedade, podem limitar os resultados da política influenciando o que é percebido como possível. Os sistemas eleitoral e legislativo podem impedir a mudança política por meio da construção de uma vantagem estrutural para grupos anti-redistribuição. Dispositivos constitucionais podem ser usados para transformar a ideologia económica em lei. Além disso, quando a perspetiva de uma política progressista é levantada, um refrão comum é que simplesmente “não é possível” – a forma como as ideias políticas se encaixam no imaginário atual do que é considerado aceitável é extremamente importante e é determinada pelo discurso político dominante. 


O que isso significa para aqueles que defendem o combate à desigualdade? 


Então, se o objetivo é entender e aumentar o espaço político para a justiça social e económica, é importante considerar: 

i. Factores não económicos que determinam o apoio à redistribuição entre grupos sociais, como a ideologia ou a falsa perceção que as pessoas têm da sua posição na distribuição dos rendimentos. 

ii. Como apoiar a ação coletiva entre os grupos com rendimentos mais baixos, por exemplo, através de sindicatos ou outras formas de organização cívica, como forma crucial de traduzir o desejo de redistribuição em políticas. 

iii. A forma como as instituições políticas podem ser estruturadas para preservar a desigualdade, bem como as narrativas prevalecentes – tais como a rotulagem de certas políticas como não sendo possíveis – que são fundamentais para permitir ou bloquear ações de redistribuição. 

iv. Como as elites aproveitam os seus níveis mais altos de influência para influenciar o processo político e manter a sua posição privilegiada. 


O artigo completo em inglês está disponível aqui: The politics of inequality: Why are governance systems not more responsive to the unequal distribution of income and wealth? 


Este artigo foi publicado originalmente no blogue From Poverty to Power. Leia o artigo em inglês aqui. A traduação é de responsabilidade da Oficina Global.

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