EADI CEsA Lisbon Conference

Créditos da imagem: Reprodução EADI – Yafa El Masri

Este artigo faz parte da série “Novos Ritmos de Desenvolvimento” da EADI CEsA Lisbon Conference que acontece de 10 a 13 de julho de 2023 no ISEG. 


Descolonizar a investigação e reimaginar parcerias alternativas nos Estudos de Desenvolvimento 


Apagamentos epistémicos continuam a existir numa vasta gama de estruturas institucionais a nível local, nacional, regional, europeu e internacional. Trazer à tona o debate sobre este tema não apenas abre a possibilidade de aumentar a conscientização sobre o conceito, mas também motiva pesquisas a lançar luz sobre parcerias alternativas de resistência a esses apagamentos. Como Sharon Stein e outros salientaram, as parcerias que surgem de forma colaborativa entre atores da academia, da sociedade civil e da política podem contribuir para reconhecer, reparar e reimaginar novos futuros decoloniais. 


Peña-Guzmán e Reynolds argumentam que “o apagamento epistêmico funciona removendo categorias inteiras ou faixas de recursos hermenêuticos de um espaço comunicativo onde de outra forma residiriam porque a identidade social percebida do falante é erroneamente pensada para tornar esses assuntos categoricamente inaplicáveis”. Miranda Fricker, por outro lado, define dois tipos de injustiças epistêmicas: a testemunhal e a hermenêutica. A injustiça testemunhal aborda a menor credibilidade atribuída a conhecedores específicos devido ao preconceito contra eles, como mulheres, grupos minoritários ou outras comunidades marginalizadas, incluindo estudiosos da periferia. Estas comunidades são vistas como inaptas a contribuir legítima e racionalmente para um consenso de conhecimento, política ou tomada de decisão, pelo que este défice de credibilidade decorre do preconceito baseado no género e na raça. A injustiça hermenêutica, por outro lado, significa que as comunidades marginalizadas são privadas de sua capacidade de dar significado e comunicar de forma inteligível suas experiências aos grupos dominantes, pois suas experiências muitas vezes caem em uma lacuna conceitual e não podem ser explicadas através dos conceitos e abordagens que são produzidos pelos grupos dominantes.


Todo ser humano nasce num sistema de conhecimento válido e legítimo.


Ambas as injustiças decorrentes da natureza eurocêntrica dos mecanismos de produção de conhecimento significam que os recursos hermenêuticos de certas pessoas e comunidades enfrentam o apagamento. Ao mesmo tempo, tais apagamentos criam lutas de reconhecimento tanto de comunidades não-ocidentais contra a dominação do Ocidente e sua promoção de valores, instituições e estruturas de governo, quanto de certas comunidades dentro do próprio Ocidente, cujos recursos hermenêuticos enfrentam déficits quantitativos de reconhecimento ou desconhecimentos.  Fricker também sublinha que é provável que haja “alguma pressão social sobre a norma de credibilidade para imitar as estruturas de poder social”, e assim implica que a injustiça testemunhal emerge quando os estudiosos da periferia, para ganhar credibilidade e reconhecimento como conhecedores, confiam exclusivamente nas questões, conceitos, teorias e metodologias que são amplamente consideradas válidas no centro. “Todo ser humano nasce num sistema de conhecimento válido e legítimo”, escreve Sabelo J.Ndlovu-Gatsheni, mas a colonialidade eurocêntrica pode minar essa legitimidade, causando apagamentos epistêmicos e epistemicídios. Reconhecer e envolver diferentes sistemas de conhecimento requer reingressar conhecimentos de diferentes geografias que, por vezes, podem estar incorporados em valores, conhecimentos e estratégias locais de existência


Com base nesses debates, argumentamos que há uma necessidade urgente de nos envolver com os saberes, valores e práticas locais e/ou indígenas das comunidades que vivem nas linhas abissais da sociedade. Precisamos urgentemente forjar espaços epistêmicos para intervenções decoloniais e criar espaços intelectuais para o pensamento crítico para documentar como essas comunidades convivem e abordam os desafios de desenvolvimento que enfrentam. Embora as comunidades locais tenham os saberes ancestrais e as capacidades para superar muitos desafios enfrentados pelos seus espaços e sociedades, as estruturas e instituições hierárquicas continuam a impor conhecimentos e políticas ocidentais para abordar questões locais, o que muitas vezes piora as coisas.  Por sua vez, os saberes locais são deixados de lado, banalizados, explorados, apropriados e roubados.  Por outras palavras: os seus conhecimentos são apagados e a sua soberania sobre as suas próprias epistemologias é deslocada. 


Apagamentos epistêmicos têm sido a base para a imposição de modelos eurocêntricos de vida.


Em resumo, apagamentos epistêmicos têm sido a base para a imposição de modelos eurocêntricos de vida que são capitalistas, coloniais, racistas e patriarcais, e expressos através de supostas intervenções de “desenvolvimento”. Em vez disso, o trabalho à margem, inspirado em visões pós-desenvolvimentistas, revelou um pluriverso de saberes que foram oprimidos, mas ainda sobrevivem como modos alternativos de viver, sentir, ser e relacionar-se uns com os outros, mostrando que existem diferentes modelos sociais que não podem ser reduzidos àquele que a cultura globalizada/mainstream nos ensinou. 


Lançando luz sobre os apagamentos epistêmicos, pretendemos entender as desigualdades cotidianas das comunidades marginalizadas, tanto no Norte Global quanto no Sul, e como elas resistem através de movimentos coletivos de base. É com a guarda das epistemologias do Sul e das margens, e da pluralidade de epistemologias, que transformações alternativas, não hegemónicas e não exploradoras de desenvolvimento se tornam possíveis. Assim, continua a ser importante considerar sempre histórias dos locais de lutas. A investigação académica precisa de incentivar ainda mais a reflexão não apenas sobre o que são epistimologias do Sul, mas também sobre como podemos compreender e ajudar a proteger essas epistemologias e modos alternativos de conhecer e viver sem reproduzir o extrativismo e os modos abissais de relacionamento descritos. 


Este artigo faz parte da série “Novos Ritmos de Desenvolvimento” da EADI CEsA Lisbon Conference que acontece de 10 a 13 de julho de 2023 e foi publicado originalmente pelo EADI blogue. Leia o artigo em inglês aqui. A tradução é da responsabilidade da Oficina Global. 

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