EADI CEsA Lisbon Conference

Créditos da imagem: groupuscule via Flickr.

Este artigo faz parte da série “Novos Ritmos de Desenvolvimento” da EADI CEsA Lisbon Conference que acontece de 10 a 13 de julho de 2023. 


Não é uma ideia popular, mas quero expressá-la mesmo assim: muitas organizações de desenvolvimento se dedicam à representação, aqui entendida como “agir em nome dos outros”. Articulam direitos para grupos, apresentam definições de problemas importantes para determinados grupos e defendem soluções para os problemas de grupos específicos. No entanto, parece que muito poucos estudiosos ou organizações querem reconhecer ou mesmo pensar sobre isso.  Por que razão isso acontece, e é correto não pensar nos papéis da sociedade civil em termos de representação? E a mais popular “solidariedade” é a melhor opção? Vamos comparar e destacar alguns pontos para uma reflexão mais aprofundada. 


Comecemos pela representação: a limitada literatura disponível questiona principalmente a legitimidade da representação por ONG internacionais, seja descrevendo-a como estando distante dos grupos que representam, seja questionando toda a ideia. Também parece que muitas organizações de desenvolvimento se sentem desconfortáveis em afirmar ter esse papel de representação. Preferem apresentar-se como parceiros dos grupos que procuram apoiar – em solidariedade, o que falarei a frente. Outra razão que parece afastar as pessoas da ideia de representação é que as responsabilidades com os grupos representados são muitas vezes limitadas. Não existe um mecanismo através do qual esses grupos atribuam às organizações um papel de representante. 


No entanto, existem boas razões para levar a sério a ideia da representação por parte das organizações da sociedade civil (OSC). Em primeiro lugar, porque é uma realidade que não deve ser ignorada: está simplesmente a acontecer, e é bom pensar se e como fazê-la bem. Em segundo lugar, a representação não eleitoral pode ajudar a superar as lacunas deixadas pela representação eleitoral ou pela governação autoritária em muitos sistemas políticos. Poderia igualmente ajudar a resolver a necessidade de representatividade da governação internacional relativamente a muitas questões em que as OSC trabalham. 


A representação pode ser uma ideia útil? 


Há também uma maneira de fazer da representação uma ideia mais aceitável. A literatura de ciência política atual parte do ponto de que a representação é constituída na interação entre representantes que fazem afirmações representativas e as suas audiências que se tornam grupos representados através da confirmação ativa do status representativo da organização que faz as afirmações. Esta abordagem é orientada para os contextos de governação multi-atores em que as organizações de desenvolvimento trabalham, que é o único quadro que fornece às organizações alguma norma para a sua representação. No entanto, não corresponde à realidade das relações de muitas organizações de desenvolvimento com os grupos que representam, uma vez que estabelece a condição de que as reivindicações representativas lhes sejam efetivamente comunicadas, o que lhes confere também um papel ativo na formação e na confirmação dessa representação. Entretanto, a relativa independência de muitas OSC dos grupos que representam no que diz respeito ao financiamento permite-lhes assumir papéis representativos sem comunicar as reivindicações representativas aos mesmos. As relações próximas com financiadores, doadores e governos podem até desencorajar a interação com os grupos representados ou moldá-las de formas que restrinjam a representação, por exemplo, forçando-os a adaptarem-se às exigências dos doadores ou às ideologias dos governos. Além disso, as OSC muitas vezes fundamentam a sua defesa na representação de valores, posições ou perspetivas como fontes de legitimidade por direito, em vez de procurar legitimação dos grupos específicos que representam. 


O grau e a forma como a representação pode ser uma ideia significativa para compreender e desenvolver as relações das organizações com as pessoas é, portanto, uma questão em aberto. Ao mesmo tempo, os académicos que estabelecem limites nas relações OSC-grupos representados têm muitas vezes priorizado as grandes organizações não governamentais (ONG) internacionais em detrimento das OSC nacionais ou subnacionais, sendo que estas estão provavelmente mais próximas dos grupos que representam. Também priorizaram as ONG profissionais em relação a outras OSC, como movimentos sociais ou ativistas individuais que muitas vezes assumem papéis de liderança nas ações de advocacy e, mais uma vez, têm maior probabilidade de se aproximarem dos grupos representados. Se e como a interação molda os entendimentos e as avaliações dos grupos representados sobre a representação através das OSC, portanto, precisa ser explorado, com abertura para a diversidade das OSC e seus diversos graus e tipos de engajamento com os grupos que representam. 


Substituir a representação pela solidariedade não é uma saída fácil 


Para aqueles que pensam nas relações com os grupos representados e os parceiros em termos de solidariedade – esta não é uma saída fácil.  A solidariedade é um conceito complexo que assume múltiplas formas. Alguns entendimentos conotam coesão social, implicando obrigações morais entre os membros do grupo. No sector do desenvolvimento, as noções de solidariedade são geralmente utilizadas em referência a apoiar grupos oprimidos, marginalizados e vulneráveis. Por vezes, é usado para dizer “estamos convosco a lutar pelos mesmos objetivos”. Caso contrário, a solidariedade não é geralmente conceptualizada, aparentemente a funcionar mais como uma palavra da moda (buzzword) usada para invocar uma relação de forma mais apelativa.  


No entanto, isto não elimina o problema: a solidariedade no contexto do desenvolvimento normalmente consagra relações com diferenças significativas, em particular diferenças de poder, com os mais poderosos a descreverem a sua solidariedade em termos de apoio aos menos poderosos. A solidariedade pode estar enraizada e sustentar a desigualdade, reproduzindo o poder dos privilegiados de forma a continuar acima daqueles que supostamente apoiam. A literatura recente sobre solidariedade aponta, portanto, para a necessidade de uma reflexão profunda entre os privilegiados sobre a natureza da relação. As mesmas publicações oferecem um ângulo promissor para desenvolver a solidariedade como forma de pensar sobre as relações da sociedade civil no desenvolvimento.  Propõem uma forma de solidariedade que torna a agência, os entendimentos e as agendas dos atores do Sul pontos de partida para a colaboração externa, em que as ONG internacionais podem assumir papéis de apoio e complementares a partir dessa posição. 


Este artigo faz parte da série “Novos Ritmos de Desenvolvimento” da EADI CEsA Lisbon Conference que acontece de 10 a 13 de julho de 2023 e foi publicado originalmente pelo EADI blogue. Leia o artigo em inglês aqui. A tradução é da responsabilidade da Oficina Global.  

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