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Créditos da imagem: Pagina3 via Flickr.


A tentativa de assassinato da vice-presidente argentina ilustra a crescente violência política na região. Apenas uma revolução é capaz de combatê-la 


O legado da pandemia foi particularmente cruel para a América Latina. A nossa é a região que mais sofreu mortes por milhão de habitantes, assim como a maior crise econômica. Estamos mais pobres, mais desiguais, mais violentos e menos democráticos do que há uma década. E parece não haver uma saída clara. 


É por isso que a região precisa de uma revolução. Segundo o dicionário Oxford, revolução é uma “mudança abrupta na esfera social, econômica ou moral de uma sociedade”. Claro, não podemos permitir qualquer tipo de revolução. Não há espaço para mais violência em um mundo assolado por conflitos. O que precisamos é de um afastamento drástico, maciço e pacífico do status quo. 


O status quo hoje é a extrema fragilidade do tecido social. Por um lado, temos um sistema político que não interpela seus cidadãos. O crescente descontentamento social com a política faz com que as democracias tenham os níveis mais baixos de satisfação em décadas, com opções fracas e cada vez mais polarizadas. Nos últimos anos também vimos o retorno de golpes na Bolívia, Brasil e Honduras, agora sem soldados, e a normalização do assassinato de centenas de lideranças sociais na Nicarágua, Colômbia, México e Brasil. A tentativa de assassinato de Cristina Fernández de Kirchner é apenas mais um episódio dessa corrente. 


Ao mesmo tempo, vivemos em um capitalismo predatório que permite que o capital dos mais ricos se multiplique enquanto multiplica a pobreza. Esse sistema é sustentado por uma cultura de empreendedorismo libertário que legitima fortunas feitas em menos de uma geração, tão grandes que permitem que CEOs enviem naves ao espaço, enquanto resistem ferozmente à sindicalização de seus funcionários que lutam por salários minimamente dignos. 


Da mesma forma, estamos permanentemente conectados por redes sociais que injetam esteróides no confronto social. Os algoritmos do Twitter e Meta desencadeiam e incentivam a viralização da confusão, confronto e ódio. Fake news têm quatro vezes mais chances de serem compartilhadas no WhatsApp do que notícias verdadeiras. Mensagens de ódio e confronto têm quase duas vezes mais chances de serem curtidas. Estudos mostram que o algoritmo do Twitter promove o compartilhamento paroquial e torna a violência visível. 

Proponho a mudança radical que proponho de voltar a buscar um terreno comum com o adversário 


As consequências em nossas sociedades são enormes. Paralelamente à frustração, raiva e ódio, pesquisas do Latinobarômetro detectaram profundas mudanças em nossa cultura. Hoje temos sociedades mais anômicas, paroquiais e fraturadas. O sentido de “comunidade” está enfraquecido, exibindo níveis preocupantes de individualismo. Especialmente entre nossos jovens, vemos um maior desprezo pelo coletivo, menos confiança no “outro” e um apego a círculos menores e mais homogêneos. 


Por isso, o que é revolucionário hoje é o encontro. Não é fácil. O encontro significa quebrar a inércia e resistir aos incentivos econômicos, comunicacionais e políticos ao individualismo e ao confronto. 


Proponho três exercícios simples — mesmo que tenhamos esquecido essas práticas — para quem trabalha com assuntos públicos. A primeira é o trabalho revolucionário de recuperação do sentido da política como negociação, transação, acordo e compromisso entre interesses divergentes. A política democrática não é um jogo de soma zero. A segunda mudança radical que proponho é voltar a buscar um terreno comum com o adversário, o que nos torna parte de uma comunidade e possibilita o diálogo. A partir daí, podemos contestar as diferenças. O terceiro exercício é discutir políticas e evitar que o debate seja sobre pessoas. 


Esta é uma pequena tarefa que requer liderança no auge das circunstâncias. Se conseguirmos realizar esses pequenos exercícios, acredito que poderemos iniciar a revolução de reconstrução do tecido social. 


Este artigo foi publicado originalmente pelo blogue OpenDemocracy.

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