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Créditos da imagem: Shane Kell via Pexels.


Érica vende frutas em uma banca de mercado rudimentar em Accra, Gana – ela faz isso todos os dias há 10 anos. Como muitas mulheres do Sul Global, Érica só pôde frequentar a escola por alguns anos antes de ter que sair para trabalhar e sustentar sua família. Inicialmente ela estava treinando para ser costureira, mas parou quando começou sua própria família. Depois de ter seus filhos, ela queria ajudar a sustentá-los. Sem ter concluído o ensino médio ou a formação de costureira, tinha poucas opções, por isso decidiu entrar no mercado de trabalho informal montando seu próprio negócio de venda de frutas. 


Este tipo de trabalho não dá direito a segurança social, e ela não tem acesso a subsídios de desemprego ou doença em caso de emergência. Érica explica que “se eu não trabalhar uma semana, meus filhos não vão ter comida para comer”. Apesar disso, ela gosta de seu trabalho e do fato de seu negócio permitir que ela interaja com muitas pessoas. “Meus clientes me fazem feliz”, ela diz. Mas ela tem sonhos maiores para seus filhos – “Espero que eles cresçam e se tornem enfermeira, jogador de futebol e padre”. 


Trabalho decente para todos 


Na atual estrutura da economia informal Érica não pode alimentar seus filhos se não trabalhar em sua banca todos os dias. A situação de Érica não é incomum. De fato, em todo o mundo, existem mais de dois mil milhões/bilhões de trabalhadores no setor informal, representando 61,2% da população mundial empregada. 


Reconhecendo a difusão do trabalho informal, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 8 enfatiza a necessidade de promover o pleno emprego e o trabalho decente para todos. Para Érica, isso significa um trabalho que forneça o suficiente para sua família, permitindo que seus filhos obtenham educação e tenham maiores oportunidades em seu futuro. Em uma escala maior, a realização do ODS8 sinaliza caminhos importantes para o crescimento, desenvolvimento económico e inclusão social. 


Mas como países como Gana, que têm muitos trabalhadores informais como Érica, estão se saindo na criação de melhores empregos? O que os decisores políticos podem fazer para incentivar o movimento de trabalhadores informais para empregos mais produtivos? 


Para responder a essas perguntas, é crucial ter dados confiáveis sobre produção e emprego. Essa era uma lacuna problemática até 2020, quando a UNU-WIDER em conjunto com o Groningen Growth and Development Center (GGDC) compilou um novo banco de dados. O Banco de Dados de Transformação Econômica (Economic Transformation Database, ETD) tem dados setoriais de valor agregado e emprego para 51 países de baixo e médio rendimento. 


A análise preliminar dos dados mostra que o emprego na indústria manufatureira – o setor com maior probabilidade de fornecer empregos de alta produtividade em grande número – está aumentando em muitos países da África Subsaariana, incluindo Gana. Isso sugere que pode haver um futuro para os filhos de Érica, se não para ela, saírem da pobreza e se dedicarem a atividades com rendimentos mais lucrativos. Para os decisores políticos, isso significa que uma ênfase mais forte nas políticas de industrialização pode ser justificada.


O dilema do desenvolvimento 


Mas não é tão simples quanto fazer a transição de todos de empregos informais para manufatura. À medida que os trabalhadores do Sul Global saem da agricultura e serviços informais para serviços formais de alto valor, como manufatura, um novo desafio se apresenta – o dilema do desenvolvimento. Isso se refere ao fenômeno de que a desigualdade muitas vezes tende a aumentar com a transformação estrutural. 


Então, o que os países em desenvolvimento podem fazer para estimular um desenvolvimento económico que seja inclusivo, elevando o rendimento de todos, especialmente dos pobres? Nossa investigação mostra que políticas públicas que promovam o acesso ao ensino primário e secundário para todas as crianças e invistam em tecnologia e bens públicos no meio rural podem fazer a diferença, especialmente para as gerações futuras, como os três filhos de Érica. Nosso livro, lançado em 2022, The Developer’s Dilemma: Structural Transformation, Inequality Dynamics, and Inclusive Growth, fornece maiores reflexões por meio de uma abordagem comparativa e das experiências de nove países em desenvolvimento da Ásia, África e América Latina.  


Mas e a Érica? Ela espera que seu negócio de venda de frutas cresça e a ajude a ganhar mais dinheiro para que ela possa sustentar sua família: “Este trabalho é meu futuro e não há outro futuro”. Érica continuar a trabalhar no setor informal é um mau resultado? Embora existam evidências de que níveis mais altos de formalidade no mercado de trabalho apoiam o desenvolvimento económico, após uma inspeção mais detalhada, descobrimos que os mercados de trabalho informais podem atuar como um importante espaço onde empreendedores iniciantes podem adquirir experiência e competências. Além disso, pode oferecer oportunidades para os trabalhadores melhorarem suas perspectivas de emprego. 


Uma visão mais sutil da informalidade 


Por meio de nosso projeto sobre trabalho informal e meios de subsistência, coletamos e analisamos dados de países do Sul Global. Com isso, encontramos a necessidade de ter uma visão muito mais matizada da informalidade, que diferencie não apenas entre formal e informal, autônomo e assalariado, mas também entre informalidade de nível superior e inferior. Essa distinção nos ajuda a entender onde estão os trabalhadores informais que terão maior probabilidade de subir na carreira e entrar no setor formal. 


Ao compartilhar os resultados da nossa investigação em redes de políticas públicas, podemos apoiar uma formulação de políticas para o mercado de trabalho melhor e mais informada. Por meio desse processo, podemos reconsiderar a antiga noção de que a escolha de Érica no mercado de trabalho é entre permanecer em seu mercado e viver um dia de cada vez ou fazer a transição para o trabalho formal em uma fábrica. Em vez disso, os decisores políticos seriam capazes de desenvolver políticas para o mercado de trabalho informadas que apoiem a transição de trabalhadores informais de nível superior para o trabalho formal, mas também apoiem pessoas como Érica, que estão no trabalho informal de nível inferior, a acessar oportunidades de qualificação que lhes permitam se tornar mais produtivos e conseguir um trabalho decente e remunerado, mesmo permanecendo no setor informal. 


O ODS8 estabelece uma tarefa ambiciosa: promover o crescimento económico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos. Quando focado em um objetivo tão imenso, pode ser fácil perder de vista o que isso significa para a vida cotidiana das pessoas. Ouvir as histórias de pessoas como Érica, seus desafios, sonhos para o futuro e o futuro de seus filhos, é uma parte importante do trabalho de um investigador. Isso nos mantém focados no papel da investigação além da escrita de artigos, como parte de um processo que pode apoiar uma melhor formulação de políticas com implicações para a vida e os meios de subsistência de pessoas como Érica e sua família. 


Este artigo foi publicado originalmente pelo blogue UNU-WIDER. Leia o artigo em inglês aqui. A tradução é da responsabilidade da Oficina Global.

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