Na sétima sessão da edição de 2021 dos Development Studies Seminars, promovidos pelo CEsA/ISEG entre 25 de março e 13 de maio e realizados online, Toni Haastrup, professora na University of Stirling (Escócia), discutiu a Agenda “Mulheres, Paz e Segurança” a partir de uma perspectiva feminista. Neste artigo, Mariana Serrano Silvério, mestranda em Desenvolvimento e Cooperação Internacional no ISEG, deixa-nos as suas impressões deste seminário online. Este e outros seminários do CEsA/ISEG podem ser revistos aqui. Créditos da imagem em destaque: “Amplify Women’s Voices” (adaptado), de Cecilia Castellia via The Greats CC BY-NC-SA 4.0.
O feminismo e suas várias vertentes se consolidaram como abordagens analíticas nos estudos das relações internacionais há menos de cinquenta anos – esta é, portanto, uma intersecção teórica e prática relativamente nova para a ciência política. Cynthia Enloe e Carol Cohn foram duas das intelectuais pioneiras a tratar dos temas de política e segurança internacional pela ótica feminista, e, por meio dela, questionar os mecanismos pelos quais a linguagem vigente nas relações entre os países e a representatividade nos processos decisórios, implementação e avaliação de projetos dessa esfera eram (e são) limitadamente masculinas e masculinizadas.
Toni Haastrup, professora de Política Internacional na Universidade de Stirling e editora-chefe da principal revista de estudos europeus, pesquisa, dentre outros temas, a natureza das hierarquias de poder global entre o Norte e Sul Globais, tanto no conhecimento como na prática. A partir deste quadro específico somado à abordagem feminista, em uma conversa online promovida pelo CEsA/ISEG no último dia 29 de abril, Haastrup apresentou o contexto histórico de “genderização” das questões de segurança internacional e fez uma avaliação dos vinte anos de estabelecimento do dispositivo 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A Resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas (UNSCR 1325) é um documento com dezoito pontos que versa sobre a agenda pública internacional para os temas relacionados às mulheres, paz e segurança. Unanimemente adotada pelo Conselho de Segurança em outubro de 2000, a resolução constituiu-se como um marco significativo, pois foi concebida na primeira sessão – nas quase seis décadas de história da ONU à época – inteiramente voltada às discussões acerca das experiências das mulheres em situações de conflito e pós-conflito.
A exigência do julgamento de crimes contra as mulheres, o aumento da proteção das mulheres e meninas durante as guerras (uma vez que a violência de gênero é recorrentemente utilizada como arma em situações de conflito), a nomeação de mais mulheres para as operações de paz das Nações Unidas e missões no terreno, e o aumento da participação das mulheres em processos decisórios nos níveis nacionais, regionais e internacionais são alguns dos temas especificamente englobados na UNSCR 1325.
Haastrup adiciona que, para além dessa resolução específica, existe todo um aparato legal internacional que apoia, direta e indiretamente, aspectos essenciais à “genderização” da segurança a nível global. Graças à importante pressão dos movimentos ativistas feministas pelo mundo todo, alguns dos componentes relevantes dessa normativa constituídos em âmbito multilateral e até hoje em vigor são, por exemplo, a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW, 1979), a Plataforma de Ação de Pequim (1995), e a Declaração de Windhoek e Plano de Ação da Namíbia (2000).
As bases deste aparato foram estabelecidas no contexto pós-Guerra Fria, quando as circunstâncias trouxeram à luz questionamentos referentes à insegurança para além dos tradicionais moldes e ideários de guerra vigentes nas relações internacionais da época. Tais questionamentos também destacaram a maneira pela qual as vidas das mulheres haviam sido destruídas durante os conflitos passados – e poderiam ser afetadas com os futuros conflitos – e como a sua ausência e baixo engajamento em processos de paz e securitização estavam diretamente relacionados com o fracasso ou baixíssimo êxito dessas operações.
“Como podemos transformar a política global de maneira que ela reflita as aspirações feministas e também nos ajude a reconhecer as experiências das mulheres?”
Desde então, progressos substanciais foram realizados na agenda das mulheres, paz e segurança. Ainda assim, o que se observa hoje é uma lacuna bastante significativa existente entre a adoção das normativas pelos países e a real implementação desses compromissos em suas políticas externas e no terreno. Portanto, a questão que Haastrup propõe no seminário continua a ser urgente: “Como podemos transformar a política global de maneira que ela reflita as aspirações feministas e também nos ajude a reconhecer as experiências das mulheres?”
É inegável que os estudos feministas da segurança, da paz e das relações internacionais são fundamentais para compreender as diferentes dimensões e implicações de gênero que as políticas externas e intergovernamentais geram, tanto para homens como para mulheres, especialmente do Sul Global. Eles também são bastante relevantes para perceber as razões do sucesso e, sobretudo, do fracasso de tais políticas no que diz respeito ao impacto desigual das situações de conflitos e pós-conflitos para as mulheres – questões estas que foram negligenciadas por muito tempo (e, em termos práticos, ainda o são). Para entender os desdobramentos do tema – os desafios e sucessos da implementação da agenda a nível global, a tradução da UNSCR 1325 para planos de ação nacionais e regionais, e as interconexões dos feminismos com a segurança internacional – vale a pena conferir o interessante debate suscitado por Toni Haastrup, que já está disponível na íntegra aqui.