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A elaboração das metas de desenvolvimento sustentável para a Junta de Freguesia da Misericórdia, um exemplo prático da participação da autarquia numa agenda global


Este artigo é de autoria de Gabriel Londe Medeiros, SDG Officer no ISEG – Universidade de Lisboa e decorre do projeto “Uma Freguesia com Objetivos Globais”, uma parceria entre a Junta de Freguesia da Misericórdia, em Lisboa, e o ISEG, apresentado em finais de 2019 com um exemplo prático da localização dos ODS por uma autarquia da cidade de Lisboa. Créditos da imagem: Paula Clerman.


No período recente, todos nos já ouvimos falar da Agenda 2030, senão dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ou simplesmente ODS, que integram o núcleo desta agenda. A universalidade da agenda, estabelecida em 2015, foi um dos grandes avanços deste século e pressupõe a mobilização da sociedade civil, dos governos nacionais e locais, das universidades e das empresas.


No caso dos governos locais, a participação nos debates do desenvolvimento foram estimulados nos últimos anos em função da mudança da estrutura urbana global. O crescimento exponencial das cidades não apenas possibilitou a conquista de um espaço nos debates internacionais como também  permitiu o alinhamento das políticas públicas às boas práticas da sustentabilidade. A materialização desta participação se deu através do Objetivo 11, das Cidades Sustentáveis.  


Na prática, este objetivo se torna visível quando começam a aparecer iniciativas locais para a adoção e o cumprimento dos objetivos e indicadores previstos. O processo de localização dos ODS, como é conhecida a adaptação dos objetivos a realidade local, tem permitido aos governos locais não apenas a identificação dos desafios e avanços locais como também a sensibilização da população e um melhor entendimento sobre o desenvolvimento do seu território.


É verdade que a organização administrativa das cidades e a distribuição dos Poderes Executivos variam de país para país. No caso português, o governo local se divide entre duas administrações, as Câmaras Municipais e as Juntas de Freguesias, que correspondem a menor divisão administrativa do território. As Juntas de Freguesias são as responsáveis pela administração do desenvolvimento local, desde 2013, quando Portugal passou pelo processo de descentralização administrativa.  O processo de descentralização levou em consideração a diversidade local para unificar algumas freguesias, de forma a salvaguardar as especificidades locais. Obedeceu assim a uma estratégia de modernização e de adaptação do modelo de governo da cidade, respeitando os princípios da universalidade e da equidade. A descentralização de atribuições, pela qual as autarquias do território nacional passaram, em especial as do Concelho de Lisboa, favoreceu em larga medida a atuação mais eficiente na implementação de políticas públicas.
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Capa Projeto ODS para a JFM
Capa do projeto “Uma Freguesia com Objetivos Globais”, elaborado para a Junta de Freguesia da Misercórdia. Clique aqui ou na imagem para descarregar o documento.


A proximidade das Juntas de Freguesia com a sociedade possibilita outro nível de atuação e perceção das necessidades da população. Em razão desta característica e preocupada com os problemas locais e também globais, a Junta de Freguesia da Misericórdia (JFM) propôs-se a pensar alternativas sustentáveis para o desenvolvimento local em 2019. Em um processo acompanhado e orientado pela Universidade – uma parceria fundamental para este tipo de ação – a JFM identificou os seus maiores desafios, definiu uma estratégia para a localização dos ODS prioritários, o estabelecimento das metas e o acompanhamento da sua execução nos próximos anos. O documento final do projeto pode ser descarregado aqui.


Os desafios globais se materializam no território. Na Freguesia da Misericórdia não é diferente. Foram mapeados e levantados os dados de quatro grandes desafios da Freguesia: o aumento da produção de resíduos sólidos, provenientes do rápido processo de renovação urbana e do aumento do número de passantes. O crescimento do turismo e por consequência o aumento do  número de pessoas e alojamentos locais. O controle da perda de população, em função do envelhecimento da população, do aumento das rendas e dos alojamentos locais. E por fim, a dinamização da economia local,  para a promoção do empreendedorismo e a inovação nos limites das atribuições da Junta.


A colaboração dos pelouros foi fundamental para a identificação e o levantamento das informações, pois tornou-se possível a adaptação das metas da Agenda 2030 para a realidade local e a identificação dos ODS prioritários para a JFM. Os ODS prioritários definidos foram o ODS4 da educação de qualidade, o ODS7 das energias sustentáveis, o ODS8 do trabalho digno e crescimento económico, o ODS9 da indústria e inovação,  ODS11 das cidades sustentáveis e ODS12 da produção e consumo sustentáveis. Estes ODS prioritários foram complementados com mais 90 metas adaptadas para a JFM.


A elaboração das metas permitiu igualmente a realização de um mapeamento espontâneo das atividades já desenvolvidas. Ou seja, através das metas e objetivos da Agenda 2030 foi possível fazer um levantamento e consequentemente um monitoramento das ações que estavam em curso, favorecendo a transparência e a comunicação com os cidadãos. É interessante notar que neste processo observou-se que a JFM já desenvolvia ações em todos os 17 ODS, o que reforça a capacidade dos governos locais em implementar e agir em prol do desenvolvimento sustentável.
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Todo o processo desenvolvido localmente para a identificação dos desafios e a elaboração das metas demostrou a necessidade de fortalecer os governos locais e inseri-los no debate do desenvolvimento sustentável. Torna-se impreterível a criação de um novo modelo de governança urbana, onde a liderança local tenha um lugar legítimo e valioso, pois no fim das contas quem tem de atuar e administrar os desafios são os governos locais.


Os maiores obstáculos de projetos como este são a identificação dos desafios e a cooperação com outros membros da comunidade local. A percepção de que estes objetivos são uma mais valia para a gestão da administração pública e da boa governação não são facilmente compreendidos. Mas uma vez entendidos e postos em prática, favorecem o bom andamento, trazendo bons resultados para a comunidade.


Todo o processo desenvolvido localmente para a identificação dos desafios e a elaboração das metas demostrou a necessidade de fortalecer os governos locais e inseri-los no debate do desenvolvimento sustentável. Torna-se impreterível a criação de um novo modelo de governança urbana, onde a liderança local tenha um lugar legítimo e valioso, pois no fim das contas quem tem de atuar e administrar os desafios são os governos locais.


Há ainda muitos instrumentos disponíveis aos governos locais para compartilhamento de boas práticas e trocas de experiências. A atuação dos governos locais em Redes Internacionais por exemplo, permite a criação de objetivos comuns e o estabelecimento de parcerias. A expansão deste modelo de redes favorece o relacionamento internacional dos governos locais e a efetivação de boas cooperações. No caso português ainda há pouca expressão e pouca organização das próprias Juntas de Freguesias no que se refere a organização e participação nestas redes. A Associação Nacional das Freguesias  por exemplo, ainda não contempla nenhum tema relacionado ao desenvolvimento sustentável, ou mesmo a adoção de agendas ou pactos internacionais. Isso quer dizer que existem ainda a possibilidade de ampliação e melhoramento da gestão relativamente a essas questões.


O processo de localização das metas realizado pela JFM corrobora a existência do desejo de contribuir e promover mudanças para que não se deixe ninguém para trás. O que falta às Juntas de Freguesias em geral é o acompanhamento, a formação e os recursos humanos e financeiros para atuar de uma maneira mais ativa e efetiva. Essa realidade é observada em todos os níveis da gestão pública em Portugal. Torna-se impreterível, portanto, a integração das políticas nacionais e autárquicas bem como a construção de parcerias com os diversos setores da sociedade civil organizada. Em 2021, um ano mais do que desafiador em razão da pandemia, é  preciso ainda mais articulação e capacidade para que se cumpra as suas obrigações básicas e que possam igualmente construir uma visão de futuro mais sustentável, inclusiva e equilibrada alicerçada nos 17 objetivos da Agenda 2030.
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4 comentários

  1. Parabéns pela qualidade do artigo, meu caro Gabriel, fico feliz por te conhecer desde muito jovem e ver o seu desempenho se destacando internacionalmente. Sou apaixonado com esse tema dos ODS desde a sua criação pela ONU. Tentamos aplicar um planejamento lincado aos ODS em 2017/2018 em nossa cidade de Paracatu-MG, Brazil, porém encontramos muitos percalsos para mudar a cultura dos gestores públicos, o seu artigo nos traz esperança de dias melhores, mesmo sabendo que a maior dificuldade está em mudar a cabeça do gestor para um planejamento municipal com foco nos ODS.
    Estou a disposição para participar das discussões, inclusive já estivemos falando da experiência de Paracatu no Encontro Nacional de municípios ocorrido em 2018 em Brasília.
    Se queremos um mundo melhor, esse é o caminho meu jovem amigo!
    Parabéns! Um abraço!

  2. Me sinto horada e feliz , por em algum momento ter compartilhado na sua vida Gabriel, a provocação de alçar vôos incríveis.
    Dediquei e dedico parte de minha existência na prática colaborativa de desenvolvimento sustentável e humanitário.
    Esta sua vivência/experiência com certeza alcançará além fronteiras.
    Diante do quadro instalado planetariamente pelo advento da pandemia, há de se repensar factualmente novos olhares sobre as cidades e os campos.
    Mesmo antes de serem definidos os ODS muita gente de luz como você, vem trabalhando incansavelmente para que sejam entendidos entre as populações essa necessidade de transformação global partindo da transformação local.
    Parabéns por esta postura. Ela agrega cada dia mais novas perspectivas que influenciarão as gerações.
    Creio muito no ser humano.
    Creio em ações e iniciativas exequíveis.
    Há um longo caminho a percorrer?
    Sim.
    Há braços e corações generosos que se uniirão a esse esforço de voces. Não duvide.
    Articulações e apoios são fundamentais.
    Gratidão pela gentileza de compartilhar.

    Abraço fraternal.

    Andréa de Cassia Alves Silva.

  3. Este texto elucida bem a importância das ODS nas Freguesias e a amplitude do tema. Parabéns, Gabriel. Ótimo artigo.

  4. Parabéns, Gabriel. Seu artigo traz importante reflexão. Nossas metrópoles exigem compromisso, continuidade, muita escutatória e as parcerias imprescindíveis, para fazer acontecer. Que você tenha sucesso.em.terras lusitanas. Inté saudoso das gerais.

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